terça-feira, 24 de junho de 2008


MOACYR SCLIAR

Saindo do armário

De imediato foi criado um movimento que tinha hino, bandeira e até um manifesto defendendo assento na ONU

Japonês encontra mulher vivendo em armário de sua casa. Intrigado com o desaparecimento de alimentos em sua geladeira, um japonês teve uma grande surpresa ao descobrir que uma mulher vivia em um armário de sua casa havia vários meses.

O homem, de 57 anos, que pensava morar sozinho, instalou uma câmera de segurança em casa, na cidade de Fukuoka, para descobrir o motivo do desaparecimento de comida em sua cozinha. Ele chamou a polícia ao ver nas imagens uma mulher passeando pela casa na sua ausência.

"Revistamos o local na presença dele e encontramos a mulher instalada em um armário", afirmou o porta-voz da polícia de Fukuoka.

A mulher, Tatsuko Horikawa, 58, vivia escondida na parte superior de um armário, com espaço suficiente apenas para abrigar uma pessoa deitada, onde havia colocado um colchão e várias garrafas de água.

"A mulher explicou aos investigadores que não tinha onde viver. Morou ali durante um ano", disse uma fonte policial. Ela foi detida, e a polícia suspeita que Tatsuko possa ter instalado esconderijos nos armários de outras casas do bairro.
Mundo, Folha Online

O CASO DA MULHER que durante um ano vivera num armário foi amplamente divulgado pela mídia e provocou sensação.
Resultado: ela, a princípio tímida e esquiva, logo ganhou confiança em si própria e começou a fazer declarações cada vez com mais segurança e até arrogância.

Sim, ocupara um armário na casa do homem, melhor dizendo só a parte superior desse armário; mas que problema causara?

Nenhum. O homem nunca usara o tal armário, prova de que na casa havia espaço sobrando. Sim, e usara a comida dele; mas, em primeiro lugar, era uma pessoa frugal, que se alimentava pouco, ao passo que o homem tendia para a obesidade e precisava comer menos: na verdade, ela até o beneficiara.

As pessoas ouviam seus argumentos e eram obrigadas a concordar: Tatsuko não deixava de ter razão. Com o que a triunfal retórica dela se ampliou ainda mais.

Agora não se tratava de defender só a si própria, mas a todas as mulheres que, nos mais diferentes lugares do mundo, certamente estariam lá, fechadas em seus armários (pior: só na parte superior deles) saindo furtivamente à noite para catar na cozinha um pãozinho, um iogurte.

De imediato criou o movimento "Saindo do armário". Tinha hino, tinha bandeira, tinha um manifesto que começava assim: "Nós, a quem a injustiça relegou aos escuros armários da História, ou pior ainda, a uma parte desses armários, agora proclamamos nosso direito ao reconhecimento por parte da humanidade.

Queremos sair dos armários, sem que câmeras nos vigiem. Queremos transformar os armários em territórios livres, com direito a autodeterminação. Queremos ter assento na ONU".

Não é preciso dizer que a adesão ao movimento é maciça e que ela, líder inconteste, tem sido aclamada em todas as capitais do mundo.

Quanto a ele, continua na casa. Sozinho, como sempre. Agora, sobra-lhe comida, mas faltam-lhe sonhos, mesmo que esses sonhos sejam intrigantes.

De vez em quando abre a porta do armário com a esperança de lá encontrar uma mulher a lhe sorrir amistosamente. Com o que finalmente conheceria a felicidade.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

Uma excelente terça-feira ainda que nublada e de garoa nesta Porto e que por esta razão não está nada Alegre.

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