sexta-feira, 20 de junho de 2008



20 de junho de 2008
N° 15638 - Liberato Vieira da Cunha


As pessoas em geral

Uma leitora, que requer anonimato, e que por isso aqui chamarei de X., me escreve para contar uma fábula. Em sua pequena cidade, que apelidarei de Y., desabou certa vez um ciclone.

Depois que as pessoas em geral trataram de desimpedir as ruas, de abrigar as famílias sem lar no ginásio municipal, de cobrir as casas que tinham perdido o telhado, o boêmio local perguntou o que fariam pela Praça da Matriz.

A Praça da Matriz possuía um roseiral, um chafariz que à noite projetava uma cascata em várias cores, três estátuas de ninfas tombadas pelo vendaval. Tudo aliás estava arrasado pelo vento e pela tormenta.

As pessoas em geral opinaram que aquilo podia esperar, mas o boêmio local, que tratarei de Z., espantosamente sóbrio, argumentou que a Praça da Matriz ocupava um lugar no coração de todos eles e que seria uma vergonha deixá-la assim, humilhada e ofendida.

E com tanta segurança discursou que as pessoas em geral reservaram um fim de semana para repor o roseiral, iluminar a cascata e reerguer as ninfas às suas posições originais.

Foi quando o boêmio local lembrou que a biblioteca, inundada por uma espécie de maremoto, merecia atenção urgente. As partes inferiores das estantes, precisamente onde ficavam as obras históricas, eram as mais maltratadas. As pessoas em geral torceram o nariz para aquele capricho, mas terminaram montando um pelotão de resgate dos livros ameaçados.

O boêmio local recordou então o museu que, como ficava numa ladeira, represara em seus degraus as vagas. Toda a sala que preservava a herança dos primeiros povoadores havia sido alagada. As pessoas em geral acharam um desperdício, mas uma equipe foi destacada para salvar potes, flechas, cachimbos de gerações de índios exterminados.

O boêmio local não descansou.

Evocou as perdas do Arquivo Público, do Cemitério, do Solar da Condessa, do Coral dos Meninos, da Orquestra de Violões, do Clube de Xadrez.

Sustentou que, como todos se tinham dado as mãos na adversidade, era hora de se mostrarem mais solidários e renunciarem a pequenos egoísmos. Só que, a essa altura, as pessoas em geral começaram a achar que ele estava muito saliente e o trancafiaram dentro de uma garrafa.

Neste dia/noite quando começa o inverno, chove nesta Porto e que por isso não está nada alegre. Mesmo assim, uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana.

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