terça-feira, 17 de junho de 2008



17 de junho de 2008
N° 15635 - Moacyr Scliar


António ou Antônio?

Na semana passada, esteve no Brasil, falando sobre o acordo ortográfico entre os países de língua portuguesa, o ministro da Cultura de Portugal, José António Pinto Ribeiro.

Notem como é grafado esse António, com acento agudo - enquanto nós escrevemos Antônio, com circunflexo. Esta é apenas uma das muitas diferenças entre as grafias brasileira e lusa.

E é também uma evidência de uma situação incômoda, para dizer o mínimo. O inglês escrito na Inglaterra é igual ao inglês dos Estados Unidos e do Canadá; a grafia na Espanha é a mesma que se vê na Venezuela, na Colômbia, ou em Cuba.

Só no português ocorrem estas variações regionais. Isto tem implicações - e complicações. Quando meus livros começaram a ser publicados em Portugal, o editor informou-me que a grafia havia sido objeto de discussão, mas que por fim resolveram publicar "em brasileiro mesmo", segundo sua expressão.

A diferença de grafias tem raízes históricas. No século 18 as academias de língua européia fizeram dicionários que padronizaram a escrita dos idiomas em diferentes países. A Academia Portuguesa, como diz o ministro José António, começou o seu dicionário em 1793 - mas nunca passou da letra A.

Na falta desse dicionário, o jeito é recorrer a acordos ortográficos. O que não é fácil. Lembra o ministro português: "No século 18, dizia-se que língua é um dialeto que tem um exército atrás de si". Ou seja: a grafia também é uma questão de poder.

O que lembra o diálogo entre Alice e Humpty-Dumpty, em Alice no País do Espelho, de Lewis Carroll. Diz Humpty-Dumpty: "Quando eu uso uma palavra, ela significa aquilo que eu quero que ela signifique." O que deixa Alice perplexa e indignada: "A questão é se você pode fazer uma mesma palavra significar coisas diferentes." Humpty-Dumpty põe um ponto final na discussão:

"A questão é saber quem manda." Grafia é poder. Ferreira Gullar sempre disse que a crase não foi feita para humilhar ninguém, mas o nosso grande poeta está enganado: a crase foi feita para humilhar, sim, para humilhar aqueles que não sabem usá-la - no Brasil, provavelmente a maioria da população. Resultado: intimidadas, as pessoas evitam escrever.

Porque o português não tem só a crase, tem acentos em profusão.

Alguém já disse que foi a Inglaterra que conquistou o mundo, e não Portugal, porque os ingleses não precisavam perder tempo acentuando palavras. Nossa grafia é fonética, isto é, lendo, a pessoa saberá, graças aos acentos, como se pronuncia a palavra. Mas será que isto é mesmo necessário?

Muitas vezes, a gente recebe e-mails de brasileiros que estão nos Estados Unidos, usando um teclado americano. A mensagem vem sem acentos, sem cedilha, e mesmo assim nós a entendemos. Daí a dúvida: será que não temos acentos demais? Será que eles não estão dificultando, ao invés de facilitar?

Agora as coisas começam a andar. Há um acordo, modesto, sem dúvida, mas que tem uma grande vantagem: simplifica. O trema deixará de existir, a não ser em nomes próprios.

O hífen foi eliminado em vários casos. No português de Portugal, desaparecerão o "c" e o "p" mudos, como em "acção", e o "h"de palavras como "húmido". Estamos avançando, mas chegaremos lá. Como Cabral acabou chegando ao Brasil.

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