quarta-feira, 18 de junho de 2008



18 de junho de 2008
N° 15636 - Martha Medeiros


Ascensão e queda das novelas

Lembro da primeira vez em que fiquei constrangida.

Tinha uns seis anos e estava sentada no chão da sala assistindo a uma novela na nossa pequena tevê preto-e-branco, quando meu pai chegou do trabalho bem na hora em que uma cena "forte" acontecia, não sei se era uma cena com linguajar pesado ou com um beijo mais caliente. Ele ficou fulo: "Que porcaria é essa que você está vendo?".

Porcaria? Era novela!! Com os jovens Francisco Cuoco, Regina Duarte, Claudio Marzo (estamos falando de outros tempos, quando os progenitores do Bruno Gagliasso sequer tinham se conhecido). Se eu gostava de novela? Era vidrada.

Todos os atores que estão no ar, hoje, fazendo papel de avô, eu vi estreando no papel de mocinho, e mais: eu comprava as trilhas sonoras. Todas.

Minha mesada ia inteirinha para os LPs (O Espigão, Escalada, Minha Doce Namorada) e desconfio que eu curtia mais as fotos dos artistas que vinham na capa do que as músicas propriamente ditas. E quem, sendo da minha geração, não lembra da Amiga? Eu colecionava.

Era a revista que trazia tudo sobre as novelas, numa época em que não havia paparazzi e a fantasia sobre a vida íntima dos atores era muito maior.

A televisão mudou. A vida mudou. O último capítulo de Duas Caras teve a pior audiência da história das novelas das oito (em se tratando de um último capítulo). E A Favorita teve a pior audiência para um primeiro capítulo.

Há uns 10 anos que o Ibope acusa queda de audiência desse que é um ícone cultural brasileiro. Foi-se o tempo em que o horário marcado para festas era "depois da novela". E nem é porque as novelas hoje terminem quase às 22h. E tampouco porque pioraram. São repetitivas, é verdade, mas a fórmula ainda funciona.

As novelas não são mais tão mobilizadoras por dois motivos: primeiro, porque faz muito tempo que as mulheres já não assistem à vida através da televisão - agora elas protagonizam a própria vida.

Mas o motivo principal é que, afora a concorrência dos canais por assinatura, a proliferação de salas de cinemas e a maior oferta de shows e casas noturnas, existe uma telinha mil vezes mais tentadora dentro de casa: essa que estou utilizando para escrever o texto que você está lendo. A tela do computador.

Uma máquina que possibilita uma instantaneidade jamais igualada, a velocidade da informação na ponta dos dedos, a comunicação automática com os amigos, contato irrestrito com o mundo, a possibilidade de criar, de inventar, de propagar sonhos e idéias (ok, também pode ser uma máquina a serviço da má-fé e das chateações, mas isso é outra história). A internet é a nova televisão.

Hoje, os autores de novelas trocam farpas entre si, disputam telespectadores, enquanto atrizes e atores trocam de emissora, fazem tentativas, já não se sentem seguros onde estão. Essa ansiedade se justifica: está havendo uma significativa mudança de hábito no Brasil. Lenta, mas progressiva. A televisão já não fica ligada o tempo inteiro.

Os sofás estão cada dia mais vazios. Isso não é uma má notícia, é apenas um indicador de que estamos relativizando a importância das novelas e ampliando nosso leque de opções culturais e de informação, sem o qual uma sociedade não se desenvolve. Hoje temos um enredo mais emocionante para acompanhar: o nosso.

Ótima quarta-feira, aproveite este últimos dias de um outono rigoroso porque o inverno vem vem aí, a largos passos.

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