quinta-feira, 19 de junho de 2008



NOVAS IMPRESSÕES SOBRE A GRINGOLÂNDIA

Como fazia alguns anos que eu não ia aos Estados Unidos, estava desacostumado com certas práticas comerciais exercidas nas nuvens. Ao pedirmos uma garrafinha de vinho, o garçom aéreo da United respondeu com um sorriso: '5 dólares'. Fiquei desconfiando. Seria pegadinha?

Estaria ele querendo nos fazer pagar um mico? Na primeira vez em que andei de avião, um amigo tentou me fazer cair numa cilada dizendo que, se me oferecessem algo, não me esquecesse de pagar. Será que o sujeito estava percebendo a minha cara de caipira habituado a viajar somente para lugares primitivos como a Europa?

Quando ele confirmou o preço da operação, pensei imediatamente: isso explica o sucesso econômico dos Estados Unidos. É a ética protestante citada por Max Weber. Enfim, o espírito do capitalismo. Eu só tinha pagado para beber ou comer em aviões de companhias rastaqüeras do Quinto Mundo.

Dei 100 dólares para o cara. Ele não tinha troco. Ficou de voltar para pegar o dinheiro. Mais tarde, depois de remexer nos bolsos, encontramos os 5 dólares e chamamos o garçom para receber. Ele não lembrava mais. Dissemos que era o vinho. Trouxe-nos outra garrafinha.

Aí eu pensei ter entendido a atual crise norte-americana. Era o capitalismo já sem seu espírito. Puro engano. Ao passear por Marblehead, um imenso conjunto de mansões perto do mar, não longe de Boston, eu vi a burguesia americana comportando-se tranqüilamente como na capa de um livro de Morris West, Sidney Sheldon ou, na melhor das hipóteses, mas não exageremos, Scott Fitzgerald.

A crise ainda não chegou lá. Esses gringos nunca foram bobos. O politicamente correto, inventado por eles, fez de cidades como Nova Iorque um bom lugar para se viver em paz.

Confesso que fiquei aturdido. Eu vi coisas inimagináveis, típicas de cidades do interior. Um homem desceu da sua Mercedes, deixou a porta aberta e a chave na ignição e entrou num bar. Salvou-se de ficar a pé por eu não saber dirigir. E por ter bons valores morais. Uma mulher largou a bolsa e o cachorro numa cadeira, na calçada, e foi pegar um sorvete.

Esses americanos são doidos. Estão perdendo a inteligência urbana da desconfiança permanente. Achei que ia encontrá-los refugiados em shopping centers. Estavam todos nas ruas e nas praças. Venderam os tais centros comerciais fortificados para quem tem medo da própria população.

Nunca vi tanta mulher de shortinho, sem que estivessem colados ao corpo, e nenhum marmanjo dizendo gracinhas. Deve ser por isso que depois eles compram uma metralhadora e saem atirando. Como não cometem 50 mil assassinatos por ano, precisam descontar em ações solitárias ou, ao contrário, em operações no exterior.

Embora continuem comendo e bebendo todas essas porcarias nojentas que exportam para o mundo inteiro – Coca-Cola e todos aqueles sanduíches repugnantes –, fiquei com a impressão de que os americanos emagreceram nos últimos anos.

Outro detalhe que me chamou a atenção: parece que eles tomam banho diariamente. Por fim, algo realmente impressionante: eles cumprimentam sorrindo. Como estava no paraíso do consumo, não resisti. Comprei uma camiseta com a estampa do Obama e voltei para casa.

Nunca os americanos faturaram tão pouco com um turista. Salvo pelo que gastei em espetáculos. Ah, só não fala espanhol em Nova Iorque quem é culto. Mais dois sorrisos e eu apoiava a Guerra do Iraque. Eu me vendo barato.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima quinta-feira que continua na real, com aquele inverno rigoroso ainda neste ocaso de outono

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