domingo, 29 de junho de 2008



Sistema financeiro azedo

Depois das crises da dívida externa, em 1982, a da poupança e empréstimos nos EUA, no final dos anos 80, e da asiática, em 1997, a do subprime é a quarta mais importante no período pós-II Guerra Mundial e, de longe, a maior.

Conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI), as perdas totais de dívidas não-recuperáveis nos balanços gerais serão de quase US$ 1 trilhão em nível mundial, e as instituições financeiras norte-americanas apresentarão a fatia mais gorda. Como valor de mercado de todas as instituições financeiras dos EUA é de aproximadamente US$ 1,2 trilhão, a cifra é colossal.

Por que as crises bancárias acontecem? A resposta está na combinação de um mau sistema de contabilidade e vários efeitos de risco moral que não são contidos pelas atuais normas regulatórias.

O sistema de contabilidade ineficiente é o Padrão Internacional de Contabilidade (IFRS, na sigla em inglês), usado por grandes empresas no mundo. O defeito do IFRS é que não suaviza o contágio sistêmico resultante da volatilidade dos preços dos ativos.

Quando esses oscilam, as companhias são obrigadas a reavaliá-los em seus balanços a cada trimestre. Relatórios regulares de ganhos e perdas de capitais não-realizados incentivam a volatilidade das ações da empresa, enviando ondas de choque pelo sistema financeiro.

Uma opção seria um sistema preventivo, como o usado por empresas alemãs antes da transição para o IFRS. No sistema tradicional alemão, os ativos eram avaliados pelo "princípio do menor valor": para efeitos contábeis, eram usados o valor histórico mais baixo de um ativo e seu preço de mercado corrente. Isso permitia aos administradores buscar metas mais a longo prazo, e provou-se eficiente para bloquear efeitos de contágio. De fato, essa foi uma das principais razões da estabilidade do sistema financeiro alemão.

Na crise atual, três efeitos do risco moral são importantes. Primeiro, a remuneração dos gerentes depende demais do desempenho do preço das ações a curto prazo - provavelmente devido à excessiva influência dos bancos de investimento na política dos bancos comerciais.

Como os bancos de investimentos só podem obter altas taxas de rendimento em um mundo com ativos com preços voláteis e metas de desempenho de curto prazo, as empresas pressionam seus gerentes a seguir esse exemplo.

Segundo, a suposição dos bancos sobre riscos excessivos reflete expectativas de que o governo os resgaterá se houver necessidade. O fato de o Bank of England ter ajudado o Northern Rock e o Federal Reserve ter salvo o Bear Stearns com US$ 30 bilhões sugere que estavam certos.

Terceiro, e provavelmente mais importante, o risco moral é resultado das informações assimétricas entre bancos e o quê emprestam. Os bancos emitem títulos com taxa de juro nominal atrativa, mas com probabilidade de pagamento desconhecida. Em geral, títulos são criados com respaldo de portfólios sofisticados que contêm ativos de boa e má qualidade, cujo verdadeiro risco é difícil de mensurar.

Nada impediu que os banqueiros oferecessem títulos de crédito de má qualidade, os limões. Quando mercadorias de baixa qualidade são vendidas a preço igual dos de alta, esses acabam desaparecendo.

Nos mercados de capitais, a assimetria da informação entre compradores e vendedores de títulos é mais extrema, tornando para os bancos tentador emitir papéis que aumentem sua expectativa de ganho.

Para isso, desenvolvem complicadas estruturas jurídicas de cobrança que quase ninguém consegue entender completamente e operam com muito pouco capital líquido para cobrir os riscos. Isso destrói o mercado a favor de instrumentos financeiros sólidos, enfraquecendo a viabilidade do sistema capitalista.

Para encarar esse problema, são necessárias normas bancárias mais rigorosas a fim de aumentar a probabilidade de reembolso e, como conseqüência, a qualidade dos títulos. Produtos financeiros devem ter transparência, operações fora do balanço geral devem ser limitadas e, acima de tudo, é necessário reduzir o alcance das operações de alavancagem exigindo uma proporção maior entre capital e ativo.

Os bancos freqüentemente se opõem a esses aumentos porque o capital de risco é mais caro do que o de dívida. Mas isso ocorre justamente por causa do efeito limão.

*Hans-Werner Sinn é professor de economia e finanças da Universidade de Muniquee presidente do Instituto Ifo

Tradução: Grazielle Badke - HANS-WERNER SINN | Munique

Efeito Limão

Observado por George Akerlof em 1970, o fenômeno tem como exemplo popular o mercado de carros usados, no qual os vendedores sabem se o que oferecem são ou não "limões" (carros velhos), mas os compradores não, sem testá-los.

Como o consumidor não é capaz de avaliar a qualidade do que está adquirindo, o modelo acabará vendido pelo mesmo preço.

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