quinta-feira, 12 de junho de 2008



12 de junho de 2008
N° 15630 - Paulo Sant'ana


Ponto de vista

É misterioso o fascínio que as águas exercem sobre as pessoas.

No verão gaúcho, por exemplo, as multidões urbanas seguem para as cidades litorâneas, em busca do mar ou da proximidade dele.

E o segundo fascínio das pessoas é a busca de imóveis "com vista para o mar", "com vista para o rio", "com vista para a lagoa".

Os imóveis com vista para as águas em qualquer cidade litorânea têm acréscimo de preço entre 20% e 50%.

Agora mesmo, na cidade do Rio de Janeiro, moradores do condomínio São Conrado Green, que tem cinco prédios e 360 apartamentos, pretendem garantir na Justiça o direito de ter vista eterna para o mar, que está ameaçado pela construção do condomínio São Conrado Golf, com 40 apartamentos de cinco vagas na garagem, devendo ser erguido em janeiro onde ficam as piscinas do Hotel Intercontinental, em frente à praia.

O novo prédio a ser construído será em forma de escada, terá 10 andares na parte voltada para a praia e seis andares na parte dos fundos.

Cada apartamento terá de 470 metros a mil metros quadrados, será um verdadeiro paraíso de localização e vista, custando uma só unidade cerca de R$ 3 milhões, uma dessas habitações que só um entre 100 mil brasileiros pode usufruir.

Só que os moradores do condomínio São Conrado Green, que vão perder a vista para o mar, estão indignados.

Eles afirmam que, quando adquiriram seus apartamentos, na década de 70, os prospectos de venda garantiam , "vista eterna para o mar".

Como é então que agora perderão a vista?

O pior de tudo é que a construtora do edifício que será erguido é a mesma do edifício que já existe e sofrerá o prejuízo.

"Eles venderam a vista eterna do mar e vão erguer uma muralha aqui na frente", protestam os moradores atuais.

E têm razão. Quem perde a vista para o mar, para o rio, para a lagoa sente um sufocamento existencial. Parece que perde o ar, que perde a liberdade.

E não consegue mais suportar a habitação onde mora, ela parece ter perdido todo o seu valor, a todo instante recorda a sua imensa perda.

Isso já aconteceu comigo. A vista privilegiada perdida martela a mente da gente. E para fugir do pesadelo a única solução é ir morar em outro lugar, afastando a idéia permanente do prejuízo.

É impressionante como a paisagem, mesmo por vezes despercebida, é importante na vida da gente. Pode-se até não olhar para a janela, onde a vista é deslumbrante, mas tem-se a certeza de que ela está ali à nossa disposição.

Perder uma vista fascinante é como passar a viver asfixiado dentro de um caixote.

E quando a vista é como aquela de São Conrado, no Rio de Janeiro, perdê-la significa uma tragédia.

Eu penso que os moradores do condomínio que será prejudicado vão obter ganho de causa na Justiça. Porque pagaram mais caro pelos seus apartamentos justamente por terem vista para o mar.

E esses mesmo apartamentos, se lhes for impedida a vista para o mar, passarão a custar a metade do preço.

Não é uma violência? Quem já teve vista para o mar ou para o rio sabe muito bem o que é essa mudança.

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