terça-feira, 24 de junho de 2008



24 de junho de 2008
N° 15642 - Moacyr Scliar


Lula e os intelectuais

Na semana passada, participei, junto com escritores, jornalistas, professores, de uma reunião em São Paulo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O propósito era estabelecer um diálogo com intelectuais (um termo cada vez mais vago) a respeito das grandes questões que desafiam o país.

E diálogo foi, de fato, um diálogo vivo, que se prolongou por quase quatro horas e que cobriu tópicos desde a crise alimentar até a abertura dos arquivos da ditadura. Foi também uma excelente oportunidade para observar mais de perto esse singular ser humano que é o presidente dos brasileiros, uma visão que não se tem através, por exemplo, das câmeras de tevê.

A primeira coisa que chama atenção em Lula é a sua espantosa energia. O homem não pára. Mexe-se sem cessar, agita-se na cadeira, gesticula. A segunda coisa é o seu já proverbial carisma, responsável, sem dúvida pela imensa popularidade de que desfruta e que é explicável. Para começar, Lula fala numa linguagem acessível.

Presidentes em geral o fazem, mas deixando bem claro que há um idioma culto e outro popular. No caso de Lula, esta divisão não existe. Ele se situa exatamente na linha divisória das linguagens, como se constatava, no passado, pelos erros de português que cometia.

Mas Lula - e este é outro de seus importantes característicos - aprende. Pode não ter aprendido inglês, mas sua linguagem hoje é indistinguível daquela usada pelos cidadãos de classe média; a propósito, hoje em dia classe média inclui, em outros países e no nosso, muitos operários.

Terceiro: falando, ele revela um enorme conhecimento da realidade brasileira. Cita nomes e cifras com imensa facilidade. E, por último, não lhe falta humor; conta historinhas, faz gozação. Quando soou um telefone celular, ele contou que um desses telefones conta com uma gravação da voz dele próprio, Lula - e aí imitou a si próprio "soando" no dito celular.

Como é que a gente entende esse perfil único na história brasileira? Pelo passado de Lula. Para começar, ele veio do Nordeste, que hoje está em melhor situação e conta até com regiões prósperas, mas que, quando de sua infância, era um lugar sombrio (quando comecei a trabalhar em saúde pública, de cada 10 crianças que nasciam no Piauí, três morriam antes de completar um ano).

Ou seja: para sobreviver, o nordestino pobre tinha de espernear, tinha de brigar e tinha de manter um certo humor, aquele humor que, como o humor judaico, funciona como defesa contra o desespero. Depois, Lula foi operário e, como operário, tornou-se sindicalista.

Este é, na minha opinião, o seu característico mais importante e aqueles que o conheceram de perto, como José Fortunati, com quem conversei a respeito, confirmam esta impressão. Um sindicalista não é um revolucionário. Um sindicalista é um negociador, e negociador pragmático.

Os sindicalistas podem desafiar o capitalismo, e não raro o fazem, mas não querem acabar com ele, querem negociar com ele. A capacidade de negociação mostrada por Lula, e que transparece em diálogos como esse de que participei, ajudou muito no governo, principalmente em termos de política externa.

Pode-se criticar o governo Lula, e há coisas a serem criticadas, como o mostraram as próprias intervenções feitas na reunião, mas não se pode negar que ele representa um novo estilo de governar. Num país tão necessitado do novo, isto não deixa de ser uma boa notícia.

Amanhã, quarta, às 19h30min, a Cláudia Laitano, aqui da Zero Hora, estará lançando, no Solar do IAB (General Canabarro, 363) o seu livro Agora eu Era (Ed. Record), uma coletânea de suas crônicas. É o talento da Cláudia em dose múltipla. Para alegria de seus numerosos leitores.

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