segunda-feira, 16 de junho de 2008


NELSON ASCHER

Você é virgem?

Quatro décadas após 1968, há indícios de uma contra-revolução sexual em andamento

CONVIVAS ainda comemoravam as bodas quando, em outro recinto, os recém-casados consumaram sua união. Pouco depois o noivo voltou ao salão para anunciar que, ao contrário do que dissera, a noiva não era virgem. Na mesma noite, ela foi devolvida aos pais.

Não, não se trata de uma cena de "O Incrível Exército de Brancaleone" ou de outro filme qualquer ambientado na Idade Média. O episódio se desenrolou em Lille, cidade do norte da França, dois anos atrás.

Em seguida, o noivo, um engenheiro na casa dos 30, entrou com um recurso para que o casamento com a moça, uma estudante de enfermagem de 20 e poucos anos, fosse legalmente anulado. A sentença, favorável a ele, saiu recentemente, gerando certa comoção no país.

Afinal, estamos a quatro décadas de distância de 1968, data que parecia marcar uma revolução irreversível nos hábitos de acasalamento da espécie.

Convencionalmente, é a partir dos anos 60 que as mulheres teriam conquistado o direito de, como os homens, administrarem suas vidas íntimas sem a interferência seja de autoridades seculares ou religiosas, seja até dos pais e das tradições repressivas.

É claro que as novas liberdades não chegaram concomitantemente a todos os cantos do planeta. No Brasil, por exemplo, fora de círculos restritos a artistas e intelectuais, elas só começaram a se impor nos anos 70 -e mais cedo no Rio do que em São Paulo.

Quando as cariocas estavam principiando sua vida erótica no segundo grau, as paulistanas ainda se "guardavam" para depois do vestibular. Seja como for, esperava-se pelo menos que, num intervalo beirando meio século, tal revolução já tivesse triunfado na maior parte do mundo.

E, em vez disso, o que vemos são presságios de uma contra-revolução, inclusive nos próprios epicentros da revolta original, pois o caso acima narrado não é um evento isolado. Os nubentes em questão eram muçulmanos, se bem que, ao que tudo indica, bastante assimilados.

Ocorre que muitas jovens islâmicas desfrutam a adolescência e primeira juventude à maneira ocidental e, então, resolvem regressar à sua sociedade tradicionalista para desposar bons rapazes muçulmanos que, no entanto, pedem-lhes provas (não raro clínicas) de castidade.

Algumas moças, como a aluna de enfermagem, arriscam-se e mentem. Outras, mais informadas ou precavidas, recorrem cada vez mais, por cerca de US$ 3.000, à himenoplastia, uma cirurgia de reconstituição do selo de garantia divino.

Como virgindade e hímen, porém, não são sinônimos, um casamento cirurgicamente viabilizado continua a ocultar uma mentira de base que pode ou não ser um dia descoberta.

O de Lille, aliás, foi anulado não com desculpas de ordem religiosa, mas por quebra de contrato. E se há algo sagrado na civilização ocidental, é o respeito aos contratos. Qualquer cliente tem direito a reclamar se lhe vendem gato por lebre.

Independentemente do que feministas e demais liberais pensem, o matrimônio é um contrato no qual se entra livremente, e não se pode obrigar um homem (ou mulher) a se casar com quem não queira ou em circunstâncias que não deseje.

Se um sujeito somente está disposto a desposar virgens, é assunto dele e de ninguém mais.

E aqui chegamos a um pequeno paradoxo, ou melhor, entrechoque de interesses. Se a uma mulher é dado dispor de seu corpo como bem entender, o mesmo se aplica aos homens aos quais cabe, conforme prefiram, dar ou não uma parte dele, ou seja, a mão, apenas a quem queiram.

E embora a sociedade possa apoiar um ou o outro lado da querela, não lhe é facultado interferir diretamente no que não passa de um conjunto de decisões privadas de adultos.

O problema é que há mecanismos mais complexos em operação. Não haveria nada a discutir a respeito do veredicto se um país como a França e um continente como a Europa fizessem sua lei valer plenamente.

Se assim fosse, a noiva é que seria culpada de hipocrisia por querer se comportar como uma ocidental liberada sem ter de romper com seu meio conservador.

O fato, contudo, é que o establishment multicultural europeu não se dispõe a defender de retaliações (que chegam ao assassinato) as mulheres sequiosas de fugirem a um ambiente opressivo.

Acovardadas ou indiferentes, o que as elites do Primeiro Mundo têm feito, no entanto, é, cedendo à pressão demográfica de massas oriundas de sociedades tradicionalistas, tomar o partido nem sequer de seus costumes pretensamente "autênticos", mas, sim, de suas autoridades religiosas mais despóticas e menos representativas.

Nesse ritmo, a virgindade, ainda há pouco obsoleta, voltará a se tornar, primeiro, respeitável e, em breve, obrigatória.

Nenhum comentário: