segunda-feira, 30 de junho de 2008



30 de junho de 2008
N° 15648 - Paulo Sant'ana


Um Gre-Nal medíocre

O Grêmio escapou da sua mediocridade por uma clarividência do bandeirinha. Todos no estádio viram que Renan agrediu Rodrigo Mendes com um chute, mas essas faltas são corriqueiras no futebol. Ninguém no estádio acreditava que o juiz fosse cobrar.

Aliás, não foi o juiz que viu. O árbitro socorreu-se do bandeirinha, que inacreditavelmente relatou o pênalti que redundou também na expulsão de Renan.

Foi um prêmio inesperado à ruindade do Grêmio. O estádio lotou porque todos foram levados ao Olímpico pela excelente campanha do Grêmio no Brasileirão.

No entanto, viu-se ontem no Gre-Nal que é enganoso o segundo lugar do Grêmio no certame: o time não tem recursos e isso depõe até a favor de seu treinador, não se sabe como o Grêmio ostenta esta colocação com um elenco tão precário.

O Grêmio praticamente não deu qualquer chute ao gol do Internacional em todo o jogo, foi dramaticamente inofensivo. E o Internacional foi um pouco menos inferior do que o Grêmio, mercê da presença em campo do Nilmar, o único jogador diferenciado entre os 22.

Sorte do Grêmio, há muito tempo que o clube não tinha tanta sorte. Mas vai ter de reforçar o seu time para não cair ali adiante para as colocações mais perigosas da tabela.

O bandeirinha salvou a ruindade do Grêmio.

Quase não acredito que eu tenha atravessado exatamente a metade do século passado assistindo a mais de uma centena de Gre-Nais, na Baixada, nos Eucaliptos, no Olímpico, no Beira-Rio e até um Gre-Nal que me lembro vi em Santa Cruz do Sul, e esteja agora, no limiar do outro século, me pondo ainda nervoso para ver este Gre-Nal do Brasileirão de 2008.

Que estranha paixão essa que me arrasta há quase 60 anos para ver este clássico. Que volúpia futebolística arranca de São Paulo o meu neto Gabriel Wainer, de 16 anos, embarca-o num avião e se encontra comigo ansioso para eu levá-lo até o Olímpico e ver o Gre-Nal de ontem?

Como é que esse amor por um clube e pelo futebol se transmite de geração em geração, para os meus filhos e agora para os meus netos, parecendo arremessar-se para a eternidade?

Daqui a 400 anos ainda haverá Gre-Nais, tenho certeza, esta chama imortal não se apagará jamais, Porto Alegre será uma megalópole, cortada por altos, imensos e sofisticados viadutos e por redes intrincadas de metrôs nos túneis, salpicada em todos os seus trajetos de homens e mulheres desvestindo-se de seus trajes modernos e arrojados e envergando prosaicas camisetas azuis e vermelhas, dirigindo-se para o estádio com seus veículos aéreos individuais.

O céu da cidade sendo varado por espaçonaves que vão se arremessar até miniaeroportos próximos do local do jogo, onde estacionarão para ver um clássico que nasceu em 1909 e tinha em sua origem os estádios cercados por palanques onde se amarravam os cavalos, as charretes, as carroças e até as carretas dos que corriam para os poleiros ao redor do campo.

O Gre-Nal vai atravessar os séculos com sua paixão, eu já atravessei de um a outro século com a minha paixão e a transmiti ao meu neto, que foi comigo ao Gre-Nal de ontem.

Daqui a 50 anos, este neto que levei ontem ao Olímpico estará conduzindo a um estádio o seu próprio neto, recordando que seu avô foi quem lhe inculcou o amor pelo Grêmio e pelo futebol.

O Gre-Nal será eterno como as estrelas. Enquanto o sol brilhar todas as manhãs, essa disputa empolgante de rivalidade continuará a inundar os corações dos pósteros.

Desde que entrei fantasiado de Papai Noel no célebre Gre-Nal de dezembro de 1961 nos Eucaliptos, desde antes, quantas e quantas semanas de Gre-Nais foram vividas com tensão, nervosismo e ansiedade, à espera daquele instante mágico em que o juiz trilava o apito e as nossas intensas emoções eram desfiadas durante 90 minutos.

Quantas e quantas vezes nos arrebatamos de alegria ou nos despedaçamos de amargura assistindo a este clássico que para nós tem importância maior do que a Copa do Mundo, isto é inexplicável, como é que um simples jogo de futebol temperou e decidiu nossas vidas, quem foi que criou essa rivalidade, quem foi que nos dividiu entre essas duas tribos e nos separou entre os homens, como se tivéssemos sido plasmados por barros diferenciados?

Foi-se ontem mais um Gre-Nal , mas virão outros. E entre um e outro se sucederão as flautas, os desafios, as brincadeiras, as apostas.

O Gre-Nal é inseparável do nosso cotidiano, do nosso humor, do nosso destino e das nossas vidas.

É o maior acontecimento das nossas vidas. É uma atração para as nossas vidas, que seriam muito mais pobres e insossas sem ele. Por 90 minutos, ontem, curtimos a eternidade do Gre-Nal.

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