terça-feira, 17 de junho de 2008



17 de junho de 2008
N° 15635 - Cláudio Moreno


A educação de Cupido

Embora os deuses romanos tivessem nomes diferentes dos deuses gregos, todos eram, no fundo, entidades muito parecidas.

Em Roma, Zeus trocou o nome para Júpiter, sem deixar de ser o poderoso senhor do Olimpo; Hermes passou a se chamar Mercúrio, mas continuou a ser o mensageiro dos deuses, com asas no capacete e nas sandálias.

Só no caso do Amor, no entanto, houve uma mudança significativa: Eros, o deus grego, o belo jovem casado com Psiquê, foi substituído por Cupido, que era um menininho rechonchudo, com a aparência inocente de nossos anjinhos de calendário.

Essa mudança de imagem, explicavam os poetas, combinava melhor com o caráter brincalhão e irresponsável do deusinho, sempre pronto a perturbar a serenidade da vida com as inesperadas paixões que provocava com suas flechas invisíveis.

Em sua Arte de Amar, Ovídio, o maior poeta latino, sugeriu que a única defesa contra esse temível e adorável inimigo seria educá-lo, domesticando-o por meio da poesia. Isso já tinha dado certo na educação de Aquiles, o grande herói da Guerra de Tróia:

seu tutor, o centauro Quíron, adestrou-o igualmente no manejo da espada, da lança e da lira, alegando que a música e a poesia eram indispensáveis para que o jovem guerreiro soubesse entender e exprimir os sentimentos que brotavam em sua alma adolescente.

A idéia, que parece ter fascinado a Antiguidade, continuou viva por toda a Idade Média, manifestando-se em inúmeras gravuras que representavam o Amor aprendendo a ler, até culminar, no Renascimento, com o quadro A Educação de Cupido, uma das obras primas de Correggio.

Apesar da esplêndida nudez dos três personagens, a cena é inocente e familiar: o pequeno deus, com o rostinho sério, compenetrado, parece ler em voz alta o que está escrito no papel que lhe apresenta Hermes, seu professor.

A seu lado, Vênus, a mãe, acompanha a lição, mas não olha para o filho; em vez disso, está voltada para nós, absorta e pensativa, talvez escolhendo as palavras para nos dizer que a educação de Cupido também é tarefa nossa.

Para que não fuja, quando vem nos visitar, o Amor precisa ser educado, ilustrado, enriquecido pelo que dele dizem os poetas e os artistas.

É para isso que precisamos da Arte, pois só ela nos ensina a enxergar a vida de uma maneira mais rica, iluminada pela experiência que a espécie humana acumulou. Com ela, temos visões surpreendentes do que nem sequer imaginávamos - depois que conhecemos Van Gogh, os girassóis parecem bem diferentes...

Com ela, aprendemos o nome dos sentimentos e começamos a distinguir as nuances do que antes era um todo indistinto; com ela, em suma, mudamos e crescemos - e crescem nossas exigências. O Amor só ganha com isso.

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