sexta-feira, 27 de junho de 2008



27 de junho de 2008
N° 15645 - David Coimbra


O Pequeno Príncipe

Todos os dias, mas todos os dias mesmo, sem faltar um, a Redação de Zero Hora é visitada por misses. Ou rainhas. Rainha do Nabo, Rainha do Aipim, há muitos tubérculos necessitando de rainhas neste Estado gigante da agricultura.

Elas vêm sempre em trio, a rainha ladeada por suas duas princesas. Excluindo sábados e domingos, são 15 rainhas ou princesas por semana, 60 por mês, 720 por ano. Muita realeza. Mas mesmo sendo tantas, todas sabem de verdades que os legisladores brasileiros desconhecem.

Por quê? Porque leram O Pequeno Príncipe, as misses têm o hábito de ler O Pequeno Príncipe. Se os deputados também o tivessem, lembrariam de um trecho célebre no qual o principezinho encontra o rei de um minúsculo planeta. Tratava-se de um monarca absoluto, que fazia questão fechada de que suas ordens fossem obedecidas.

Como não havia mais ninguém no planeta, o principezinho perguntou sobre o que o rei reinava. Ele respondeu que sobre tudo, o seu planeta, as estrelas, tudo.

- E as estrelas vos obedecem? - indagou o principezinho.

- Sem dúvida. Obedecem prontamente. Eu não tolero indisciplina.

Encantado com tamanho poder, o Pequeno Príncipe pediu para ver um pôr-do-sol. Ao que o rei observou:

- Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem, ele ou eu, estaria errado?

- Vós - respondeu com firmeza o principezinho.

- Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar - replicou o rei. - A autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, farão todos revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis.

- E meu pôr-do-sol? - lembrou o principezinho, que nunca esquecia a pergunta que houvesse formulado.

- Teu pôr-do-sol, tu o terás. Eu o exigirei. Mas eu esperarei, na minha ciência de governo, que as condições sejam favoráveis.

- Quando serão? - indagou o principezinho.

- Hem? - respondeu o rei, que consultou inicialmente um grosso calendário. - Será lá por volta de por volta de sete horas e quarenta, esta noite. E tu verás como sou bem obedecido.

As misses, as rainhas, as princesas, o rei do Pequeno Príncipe, todos sabem que uma ordem impossível de ser cumprida... não será cumprida! Caso da Lei Seca, ora promulgada. A aplicação de tal lei é plausível e até recomendável nas estradas, mas nas cidades se torna ficção.

São incontáveis as chances de uma pessoa ser denunciada pelo bafômetro com os rígidos limites impostos, desde o mamão papaia com cassis e o bombom com licor à única taça de champanha consumida no brinde durante uma recepção, passando pela saída não planejada com a colega de trabalho.

Se a polícia quiser encher ainda mais os presídios, basta colocar viaturas a circular por Porto Alegre todas as noites a partir da uma da madrugada. Duas, 3 mil pessoas serão encarceradas por dia.

E nem isso fará com que a lei seja observada. Até porque a maioria das pessoas que bebe não se embriaga. São essas as pessoas, as mais sensatas, que vão desafiar a legislação. Uma pena, porque eis aí uma lei bem-intencionada.

Foram tantas as boas intenções dos que a escreveram, que exageraram. A lei perderá a credibilidade. E, ao invés de irmos para frente, iremos para trás. Só porque os parlamentares não leram O Pequeno Príncipe, só porque não sabem que a autoridade repousa sobre a razão.

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