quarta-feira, 25 de junho de 2008



25 de junho de 2008
N° 15643 - Martha Medeiros

O vinho ou o carro

Uma coisa que me incomoda é andar de táxi numa cidade estranha. Me sinto impotente, já que o motorista, se for desonesto, pode dar voltas desnecessárias para aumentar o preço da corrida. Recentemente estive fora do país e tive a sensação de que havia sido roubada, mas provar como? Por que não pedi para descer antes? Porque não tinha certeza.

Agora vai ser diferente, porque vou andar de táxi na minha própria cidade, coisa que faço pouco. Daqui pra frente, irei e voltarei da casa de minhas amigas de táxi, irei e voltarei dos restaurantes de táxi, irei e voltarei das festas de táxi.

E a única vantagem é que os trajetos me serão familiares e não serei ludibriada, porque, afora isso, que xaropice. Em vez de ficar bem instalada no meu carro, com ar-condicionado, ouvindo meu som e dando carona para os amigos, vou virar refém de alguma cooperativa. Tudo porque eu adoro um bom vinho e me recuso a jantar tomando refrigerante ou água.

Eu bebo e pretendo continuar bebendo. Nunca provoquei um acidente sério, jamais dirigi na contramão ou fiz alguma insanidade nas ruas.

Do que se conclui que meu anjo da guarda está merecendo um aumento de salário. Ou que minhas doses não são tão exageradas assim. Mas agora não existe mais o conceito de exagero. Tolerância zero.

O Congresso aprovou a lei que torna todo acidente causado por motorista alcoolizado em um crime doloso, com intenção de matar. A sociedade aplaude, mas quem é a sociedade?

Não é uma entidade abstrata. Não é aquele pessoal que mora no edifício da esquina. É você, sou eu, criaturas civilizadas e de bom caráter, que se reúnem em torno de uma mesa para celebrar a vida tomando alguns drinques e que voltam pra casa ligeiramente mais alegres do que saíram, sem nenhuma intenção de matar - tanto que nunca matamos.

Porém, as estatísticas de violência no trânsito estão aí para provar que as infrações estão quase sempre associadas a bebida. Eu poderia estar citando, como praxe, os moleques que entornam um engradado de cerveja e depois voam a 120 km/h em vias urbanas só para se sentirem machos em seus possantes carros, essa coisa estúpida que a gente vê acontecer a toda hora.

Mas não: dessa vez estou virando o gatilho das palavras para mim mesma, que tenho idade mais que madura, uma consciência mais que formada, uma auto-estima bem resolvida, e que mesmo não tendo necessidades exibicionistas e respeitando meus limites, ainda assim já poderia ter provocado algum incidente num fim de festa. Bastaria uma única vez e babaus.

Para mim, vai ser uma difícil mudança de hábito. Gosto de dirigir, gosto de me sentir independente, e as pessoas com quem saio também gostam. Mas acabou esse conforto: freqüentarei os restaurantes perto da minha casa, de onde posso voltar a pé, ou virarei assídua dos táxis nas poucas vezes em que saio à noite.

Não há outra saída. E me ofereço como exemplo justamente para não perpetuar a hipocrisia de levantarmos a voz contra os problemas (função comum de colunistas e repórteres) esquecendo de fazer nossa parte para combatê-los.

Ninguém mais é inocente.

Eu não vivo sem um bom vinho, mas vou aprender a viver sem carro quando for preciso. A contragosto. Mas é uma questão de coerência com o que sempre preguei.

Bem, meus amigos, hoje tem sol e um céu azul embora o friozinho permaneça. Que tenhamos todos uma ótima quarta-feira. Aproveite, namore hoje, afinal é o Dia Internacional do Sofá.

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