quinta-feira, 19 de junho de 2008


ELIANE CANTANHÊDE

População encurralada

BRASÍLIA - Apesar da onda de indignação que varou o país por causa dos militares que entregaram três rapazes desarmados para a sanha assassina de traficantes armados, o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, acha que está na hora de discutir seriamente sobre a ampliação ou não do emprego das Forças Armadas na chamada GLO (Garantia da Lei e da Ordem), hoje limitada na Constituição.

Em entrevista à Folha, Enzo defendeu um bom debate com a sociedade. Disse que a polêmica é sobre o "tamanho" da atuação do Exército em áreas urbanas conflagradas e em três circunstâncias: o Estado não ter condições de agir sozinho, em casos específicos e com tempo pré-determinado. Ou seja, não se trata de liberar geral.

O tema é muito complexo, permeado por traumas ainda recentes da ditadura militar, mas não dá para tapar os olhos para o que acontece, especialmente no Rio: o crime organizado substituiu o Estado nas favelas. Manda e desmanda.

A população se sente encurralada: se ficar como está, os traficantes pegam, esfolam e matam; se correr, o Exército vem aí com seus tanques, fuzis e botas e passa por cima. E não se descarta que, a longo prazo, haja alianças entre os dois.

A barbaridade de um tenente de 25 anos, que covardemente entregou os rapazes aos seus algozes, abre uma discussão que precisa ser feita, por mais que doa. E feita diante de fatos e da realidade, não de suposições e de dogmas.

Ontem, a Folha trouxe entrevista da cientista política Maria Celina D'Araújo, contra a ampliação do emprego das Forças Armadas, alegando que o militar não é treinado para funções de polícia e que há risco de contaminação.

Já o historiador José Murilo de Carvalho é a favor, ponderando que a experiência no Haiti foi exitosa e poderia ser transportada para o Rio. Trata-se de um bom debate, com gente de primeira linha e numa hora crucial. Que prossiga, pois.

elianec@uol.com.br

Nenhum comentário: