sexta-feira, 27 de junho de 2008



27 de junho de 2008
N° 15645 - Ricardo Silvestrin


Enquanto corria a barca

Uma sessão de autógrafos dentro de um açougue. É o Açougue Cultural T-Bone. Não é nenhuma metáfora, embora açougue cultural se preste a várias leituras. É um açougue mesmo, com carne pendurada, parede de azulejo branco, açougueiro de avental e tudo.

Numa mesa, em frente ao balcão frigorífico, os poetas e artistas plásticos que fizeram o livro. Na calçada, a partir da porta, um palco com microfone. Ali, rola um recital poético e musical uma vez por mês. Falei três poemas meus. Isso aconteceu em Brasília, na semana passada.

Quando cheguei à cidade, estranhei tudo. Muito cimento, muito prédio igual ao outro, avenidas todas com a mesma cara. Como contou o poeta Fred Maia, segundo Jorge Mautner, em Brasília só existe o tempo, não o espaço.

Afinal, a gente anda e parece que está sempre no mesmo lugar. Pensei: como pode uma cidade não ter casas velhas, prédios antigos? E isso vindo de alguém que vive em Porto Alegre, uma cidade que não tem nem 300 anos de história.

Outro choque: a extrema consciência geográfica. Todo mundo se orienta pelo mapa. Todos têm o mapa na cabeça. Desenham nas mãos: "Olha, aqui é a ponta do avião, ali é a asa, abaixo e acima estão as quadras, a numeração se dá de forma tal e tal...".

Uma hora, brinquei: "Vocês estão viajando; não estamos em asa nenhuma; isso é só uma rua!". Depois, os palácios. Palácio da Alvorada, do vice-presidente, palácio disso, daquilo. Perguntei: "Certo, e onde fica o Palácio dos Enfeites?".

Mas minha inadaptabilidade foi passando na medida em que fui convivendo com as pessoas legais. São elas que fazem o lugar.

Cada uma conhecia um restaurante, um bar, um centro cultural, um café. E, assim, Brasília foi virando uma cidade. Criativa, como no caso do Açougue. Ou da Barca Poética. Uma embarcação que percorre o lago Paranoá. Em toda lua cheia, ela sai. Leva o grupo Oi, Poema.

Dois dos mais interessantes poetas da cidade fazem parte: Nicolas Behr e Luís Turiba. E a atração musical do último fim de semana foi os poETs, meu grupo. Fizemos dois shows com a barca lotada. Poesia, música, pôr-do-sol, lua cheia. Isso também é Brasília.

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