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sábado, 21 de junho de 2008
21 de junho de 2008
N° 15639 - Cláudia Laitano
O Verão do Amor
Começou em um mês de junho, no verão do outro hemisfério, aquele que entraria para a história como o primeiro Verão do Amor.
Era 1967, e o lugar para se estar, se você tinha menos de 30 anos, era San Francisco, Califórnia - mais especificamente no cruzamento das ruas Haight e Ashbury. Aproveitando as férias de verão da escola, uma multidão florida e cabeluda tomou conta dessa esquina de vetustas casas vitorianas, aborrecendo a parte adulta da vizinhança e transformando o local no epicentro da contracultura e do movimento hippie.
O slogan Paz (no Vietnã) e Amor (livre) se espalharia rapidamente nos anos seguintes pela fatia bem alimentada do planeta. E o mundo (e os cabelos) nunca mais seriam os mesmos.
Olhado aqui dos anos 2000, o movimento hippie pode parecer apenas mais uma entre tantas ondas assimiladas com voracidade "pelo sistema". Mas apesar de toda sua ingenuidade essencial e de todas as calças jeans vendidas em nome de seu idealismo o fato é que as duas bandeiras principais do movimento, no atacado, acabaram vingando.
Aquela turba aparentemente desorganizada e fora do ar realmente teve um papel importante no fim da Guerra do Vietnã, atraindo atenção da mídia e mobilizando boa parte da opinião pública americana contra o conflito.
E o sexo, se não o amor, com certeza ficou um pouco menos complicado depois que os hippies tomaram para si a centenária bandeira do amor livre - que remonta ao século 19 e originalmente se opunha a todas as leis que submetiam relações afetivas à regulação do Estado e da Igreja.
Neste junho de 2008, a Califórnia assiste a uma nova espécie de Verão do Amor - com direito a uma pequena onda migratória, escândalo da vizinhança e o mesmo espírito das origens do movimento pelo amor livre, que era tentar proteger o afeto das malhas das convenções sociais e religiosas.
Desde as cinco da tarde da última segunda-feira, dezenas de casais gays têm repetido na Califórnia o clássico "eu aceito" em um clima de euforia e urgência, pois não está descartada a possibilidade de um referendo vir a reverter a decisão da Suprema Corte estadual que legalizou as uniões civis entre casais do mesmo sexo.
Mais uma vez, San Francisco foi o cenário de uma não desprezível revolução de costumes. Foi lá que as senhoras Del Martin, 87, e Phyllis Lyon, 84, oficializaram esta semana uma união de mais de 50 anos, com direito à presença do prefeito e de um pelotão de repórteres - além de manifestantes pró e contra.
A Califórnia não é o primeiro Estado americano a oficializar esse tipo de união - Massachusetts aprovou lei semelhante em 2004. E há outros países com legislações mais antigas ou mais avançadas.
Mas nada se compara à Califórnia em termos de canhão midiático e simbolismo. O assunto é tão inescapável que todos os candidatos à presidência dos EUA foram obrigados a se posicionar - Barack Obama já manifestou-se a favor da união civil gay, o que é um motivo a mais para torcer por ele.
No Brasil, o assunto ainda não foi tratado com a seriedade que merece pelos legisladores (aparentemente, apoiar a causa gay é considerado um veneno eleitoral pelos políticos brasileiros), embora a Justiça venha cada vez mais dando ganho de causa a casais homossexuais que buscam nos tribunais alguns dos direitos garantidos a heterossexuais legalmente casados ou em união estável.
A Justiça do Rio Grande do Sul é a mais avançada do país neste sentido - e chegou a esse posto com o apoio do trabalho admirável, e incansável, da desembargadora Maria Berenice Dias, que se aposenta na próxima segunda-feira (mas já avisou que não vai parar de trabalhar pela causa).
O Verão do Amor brasileiro pode demorar, mas mais cedo ou mais tarde vai chegar às nossas praias também. Quem viver verá - e vai ser bom estar aqui para ver.
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