segunda-feira, 16 de junho de 2008



Transformando dor em criatividade e desespero em milagre literário

O Escafandro e a Borboleta, narrativa pungente do jornalista francês Jean-Dominique Bauby, foi traduzida para 30 idiomas, vendeu um milhão de exemplares e deu origem a um filme homônimo, premiado e arrebatador.

O filme recebeu o Globo de Ouro, a Palma de Ouro, quatro indicações para o Oscar e estréia no Brasil em 27 de junho. A história é realmente impressionante e a linguagem é magistral. Jean-Dominique tinha 42 anos, dois filhos, uma adorável namorAada, era redator-chefe da revista Elle e sua conta bancária permitia uma vida requintada em Paris.

Estava no auge. Em dezembro de 1995, enquanto dirigia seu carro, sofreu um acidente vascular cerebral, ficou vinte dias em coma profundo e, ao acordar, todas as funções motoras estavam deterioradas.

Ele tinha sido atingido pelo que a medicina chama de Alocked-in syndrome, literalmente "arrancado no interior de si mesmo". Não podia mexer-se, comer, falar e nem mesmo respirar, sem a ajuda de aparelhos.

As faculdades mentais permaneceram intactas. Em seu corpo paralisado só o olho esquerdo se movia e era seu único vínculo com o mundo, os outros e a vida.

Piscava uma vez para dizer sim e duas para dizer não. Foi com o olho esquerdo que conseguiu chamar a atenção dos visitantes para as letras do alfabeto que lhe eram ditadas, formando palavras, frases, páginas inteiras e escrevendo O Escafandro e a Borboleta.

Todas as manhãs, durante semanas, foi memorizando as páginas antes de ditá-las e corrigi-las. Como resultado do tremendo esforço e do talento utilizado, ofereceu um relato ora sarcástico, ora desencantado, mas bem-humorado, lírico e muito sensível, sobre a experiência brutal que sofreu.

Em síntese, Jean-Dominique transformou dor em criatividade e desespero humano em milagre literário. É muito! Com palavras medidas, precisas, imagens sensuais, prosa poética, Jean-Dominique vai descrevendo os detalhes dos pacientes e do hospital e vai recordando lugares, pessoas, aromas, gostos e comidas dos dias de infância, da juventude e do tempo de adulto.

Ele lembra de óperas, filmes, livros e relaciona suas lembranças, sua situação e suas características pessoais com as de personagens. O narrador fala de sonhos esquisitos, dos médicos e de coisas estranhas que acontecem num hospital.

Narra o pânico que sentiu quando um oftalmologista veio tapar seu olho direito, para que a córnea não corresse o risco de ulceração. Ele ficou com um medo terrível de que o médico fosse tapar seu olho esquerdo, o único contato com o mundo exterior.

Um dos capítulos mais tocantes é o que conta sobre o primeiro dia dos pais que passou com o casal de filhos, naquela circunstância. Jean-Dominique fala de suas viagens a Paris e do cheiro de batatas fritas, que aprecia cada vez mais.

Em suas viagens cheias de imaginação, fantasia e nostalgia, se dá conta de como são importantes as coisas simples do cotidiano. Jean-Dominique lembra das viagens que adorava fazer: China, Nova Iorque, São Petersburgo...

Nas páginas finais, conta sobre o dia em que sofreu o acidente e intercala as memórias com trechos da linda canção A Day in a Life, dos Beatles. As últimas linhas do relato são sobre o livro que Jean-Dominique conseguiu escrever e sobre pensamentos sobre o futuro. 144 páginas, R$ 34,20, Martins Fontes, telefone 11-3241-3677.

Jaime Cimenti - JCRS

Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana para todos nós.

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