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sábado, 21 de junho de 2008
22 de junho de 2008
N° 15640 - David Coimbra
Foi em 28 de abril de 1976
Já contei que uma vez dei o drible elástico? Por Deus que dei. Lá no Alim Pedro. Na ponta-direita. Preferia a ponta-direita porque na esquerda a grama era muito alta. Crescia até inço na ponta-esquerda, e sei por quê. Por causa do Cabral.
Cabral era o lateral-direito do Canarinho, quebrador de tíbias e perônios, trincador de rótulas. Nenhum pontinha driblava o Cabral impunemente. Alguém dirá que toda ponta-esquerda um dia já foi ponta-direita, porque o lado do campo inverte no intervalo. É.
Mas acontece que o Canarinho sempre começava chutando da Plínio para a Assis Brasil. Então, os pontinhas só se atreviam no primeiro tempo. No segundo eles não iam mais lá. Assim, o capim crescia viçoso como o cabelo dos Ronaldos na ponta-esquerda.
Aquela tarde eu estava na ponta-direita. O marcador veio que veio rosnando e rangendo dente. Eu já tinha treinado o drible elástico. Todos os dias, praticamente.
Tentava e tentava, nunca conseguia. Mas naquele dia passei o pé por cima da bola e a enganchei e levei o pé para o outro lado e a bola foi para lá e para cá e... deu certo, cara! O marcador ficou todo torto, um gê invertido.
É isso, dei o elástico. Mas só uma vez, admito. É muito difícil. Fazia todo aquele esforço para dar o elástico apenas por um motivo: por causa de Roberto Rivellino, o Garoto do Parque, o Patada Atômica.
Rivellino foi o melhor, depois de Pelé. O herdeiro legítimo da camisa 10. Pergunte para o Ronaldinho ou para o Maradona quem é o ídolo deles. Pergunte! Rivellino, eles dirão, depois de um suspiro.
- Queria ser o Rivellino com a perna direita - disse uma vez Ronaldinho.
Não conseguiu. Não conseguirá. Rivellino era melhor. Rivellino driblava mais, chutava mais, passava mais, lançava mais do que Ronaldinho ou qualquer outro curumilha que hoje corre dentro da camisa canarinho.
Para se ter idéia da potência do chute do Rivellino, conto o seguinte: uma vez, jogando pela Seleção, ele mandou um bazucaço para o gol e o goleiro ousou espalmá-la. Crec!, quebrou os quatro dedos. De outra, o goleiro foi defender, caiu de mau jeito e fraturou a clavícula. A bola saía que era um paralelepípedo do pé canhoto número 37 do Riva.
Ele se aproveitava deste poder: a primeira falta do jogo, chutava no meio da barreira, na cara de um coitado. O coitado ia a nocaute, a cara virada num xis-bacon. Na segunda falta, a barreira inteira se encolhia de horror. Gol.
Agora, para se ter idéia da pontaria do Riva, relato mais uma façanha. Aconteceu na Copa de 74, contra a Alemanha Oriental. Rivellino foi bater uma falta e Jairzinho se colocou no meio da barreira. Na hora do chute, Jairzinho se abaixou e a bola passou exatamente pelo espaço antes ocupado pelo seu pescoço. Gol.
Os lançamentos do Rivellino eram ainda mais precisos do que seu chute. Com seus lançamentos, ele consagrou um ponta tosco, o Gil, chamado Búfalo Gil porque não passava disso mesmo: força e velocidade, feito um boi.
Lá da intermediária de defesa, o Riva dominava a bola e a fazia atravessar o campo numa viagem de 60 metros sobre as cabeças pasmadas dos jogadores dos dois times.
A bola aterrissava sempre no pé direito do Gil, suave como beijo de mãe, e o Gil investia área adentro e dava um chute seco, à meia-altura, e fazia o gol do Flu. Com Rivellino, Gil foi para a Copa do Mundo. Sem Rivellino, Gil percorreria todos os dias a Avenida Atlântica, do posto 1 ao posto 6, com uma vassoura na mão, trabalhando de gari.
Por isso todo guri dos anos 70 queria jogar como o Rivellino. Queria dar o elástico. É a magia do ídolo. Não é por acaso o que vem acontecendo em Porto Alegre nos últimos dias: a torcida do Inter consternada pela saída de Fernandão, a do Grêmio emocionada pela possível volta de Jardel. O ídolo forja o torcedor.
Do ídolo, o torcedor aceita tudo, até eventuais fraquezas. Os gremistas pouco estão ligando se Jardel envolveu-se com drogas, se está fora de forma. Os gremistas querem Jardel. Aos colorados não interessava se Fernandão não rendia mais como rendeu em 2006. Os colorados queriam continuar com Fernandão.
Tive essa benevolência com o Riva.
Lembro bem daquele jogo porque se deu no dia do meu aniversário, 28 de abril de 1976. Brasil e Uruguai se enfrentavam pela velha Copa Roca, no Maracanã. Rivellino foi o melhor em campo, marcou um gol na vitória de 2 a 1 e desmontou sozinho o Uruguai, peça por peça, enlouquecendo os uruguaios a drible.
No meio do jogo, o lateral Ramirez cometeu uma falta violenta no Zico e Rivellino foi tomar satisfações, peitou o uruguaio e lhe deu uma bofeta na cara. Nenhum uruguaio suportaria tamanha afronta. No fim da partida, Rivellino estava dando entrevistas e Ramirez correu para agredi-lo. O repórter gritou:
- Aí vem o Ramirez!
Rivellino olhou para trás e viu aquela tombadeira desabando na sua direção. Obviamente, deitou o bigode. Correu em zigue-zague rumo ao túnel, escorregou e desceu as escadas do vestiário sentado, a nadegadas. Ramirez, coitado, acabou cercado pelos jogadores do banco do Brasil.
Um segurava, outro batia. O Beto Fuscão chegou a errar um soco e acertou no nariz do Flecha. Ramirez ficou todo machucado, levou semanas para se recuperar, mas o Riva ter fugido não pegou nada bem. No dia seguinte, meus amigos vinham gozar:
- Que papelão do Rivellino, hein! Não me abalei. - O Riva é da paz - argumentava. - O Riva é contra a violência.
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