quarta-feira, 18 de junho de 2008



18 de junho de 2008
N° 15636 - Paulo Sant'ana


Um crime revoltante

Nunca houve nada igual no país: moradores do Morro da Providência, no fim da tarde de anteontem, foram para a frente do prédio do Comando Militar do Leste para protestar contra o assassínio de três jovens que foram entregues por uma patrulha do Exército para traficantes do Morro da Mineira.

Dois dos jovens trucidados pelos traficantes tiveram suas mãos decepadas e um deles teve a perna inteiramente cortada na altura do joelho.

Ao atirar pedras contra os 50 militares do Exército que protegiam o Comando Militar do Leste com cães, escudos e cassetetes, tiveram os moradores resposta imediata: os militares lançaram bombas de efeito moral, spray de pimenta e disparos de armas não-letais.

Houve corre-corre generalizado, um campo de batalha entre os manifestantes e policiais do Exército, um pânico generalizado se espalhou pela região da Central do Brasil e por um trecho da Avenida Presidente Vargas.

Os manifestantes queimaram uma farda de camuflagem e tentaram fechar a pista de rolamento em frente ao Comando Militar do Leste. E novas bombas de efeito moral foram lançadas contra eles, que portavam uma grande bandeira brasileira e uma faixa preta, gritando "assassinos" e "justiça".

Foram interditadas avenidas, ruas e túneis.

Protestos populares contra uma unidade do Exército nunca se tinha visto.

Enquanto isso, o tenente do Exército que comandava a patrulha que prendeu os três jovens levados ao quartel se mostrou indignado com a decisão do capitão de plantão na caserna, que ordenou fossem soltos os três jovens que teriam desacatado a patrulha.

O tenente perguntou aos integrantes da patrulha se havia nas proximidades do quartel um morro comandado por traficantes rivais aos do Morro da Providência.

Um sargento sugeriu que os três jovens fossem entregues aos traficantes do Morro da Mineira.

No momento da entrega inacreditável dos jovens para os traficantes do morro rival, com a finalidade de dar um "corretivo" neles, segundo o tenente, um dos três jovens ainda tentou fugir, mas foi contido por um dos soldados e entregue aos traficantes.

Os militares acusados disseram nos depoimentos que os jovens detidos choravam e pediam pelo amor de Deus para não serem deixados em poder dos traficantes.

Mesmo assim, o tenente manteve a decisão da selvagem entrega, retornou ao CML e determinou que ninguém mais comentasse o assunto.

Enquanto isso, os três jovens eram torturados pelos traficantes, tiveram mãos e perna decepadas por eles e foram abatidos a tiro e jogados num lixão.

Um crime inominável. Cometido por militares que constrangem o Exército e as autoridades.

Um ato que indevidamente dá razão aos que defendem não estar o Exército preparado para agir diretamente contra a criminalidade, como disse ontem o ministro Tarso Genro.

Ou seja, no combate ao crime, as polícias desviam suas condutas e cometem crimes. E agora uma patrulha do Exército demonstra que a força também se deixa contaminar pelo tráfico de drogas e se alia aos traficantes.

Quer dizer que não há nada mais temerário que o incesto perigoso e fatal das forças da ordem com os delinqüentes.

Não se explica que traficantes de um morro tenham recebido de mão beijada três jovens indefesos e inocentes para serem imolados, pelas mãos de força da segurança.

Nem se explica que o tenente tenha desobedecido à ordem do capitão para soltar os três jovens, entrando em acordo espúrio com os traficantes para chegar a um extermínio cruel, horrendo, vergonhoso.

Sobre as polícias do Rio de Janeiro, muito já se documentou quanto à violência e corrupção de muitos dos seus integrantes.

O lamentável agora é que uma patrulha comandada por um oficial do Exército seja capaz também de um delito tão revoltante.

Então não há mais solução contra o crime no Brasil.

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