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sábado, 28 de junho de 2008
29 de junho de 2008
N° 15647 - Moacyr Scliar
Arte, álcool, drogas
Lygia Fagundes Telles, grande escritora e grande pessoa, contou-me uma história que é muito significativa. Há anos esteve no Brasil o Nobel de literatura William Faulkner. Ficou alguns dias em São Paulo, onde Lygia encarregou-se de servir-lhe de cicerone. Não foi uma tarefa fácil; Faulkner passou o tempo todo completamente bêbado.
Finalmente, Lygia levou-o ao aeroporto para a viagem de volta. Despediram-se, e o cambaleante Faulkner já ia entrar na sala de embarque quando algo lhe ocorreu. Voltou-se para Lygia e perguntou:
- Como é mesmo o nome dessa cidade onde estive?
Faulkner não foi o único escritor etilista. Apenas para ficar com os americanos, como ele, podemos citar Edgar Allan Poe, Stephen Carne, Jack London, Erma Melville, F. Scott Fitzgerald, Charles Bukovsky, Jack Kerouac e Truman Capote, que, preso por dirigir alcoolizado (pensando bem a recente lei brasileira já veio tarde), foi depois internado em uma clínica especializada, mas continuou bebendo.
No Brasil os exemplos são legião (Lima Barreto, Vinicius de Moraes, Carlinhos de Oliveira), levando o cartunista Jaguar a dizer uma frase famosa e muito típica do Rio de Janeiro: "Intelectual não vai à praia, intelectual bebe".
E depois temos as drogas, cujo uso é muito antigo - o que mudou foi só o tipo de substância usada. Os românticos preferiam o ópio, e no século 19 o inglês Thomas de Quincey escreveu um livro famoso sobre o tema, Confissões de um Opiômano. Também gostava do ópio o poeta Samuel Coleridge. Já o francês Charles Baudelaire preferia o haxixe, que lhe inspirou o agora clássico Paraísos Artificiais.
Com o século 20 chegaram as drogas sintéticas, a começar pelo LSD, que este ano completa seu 70º aniversário. Foi popularizado pelo escritor inglês Aldous Huxley, autor de Doors of Perception (As Portas da Percepção), de onde veio o nome do conjunto The Doors, liderado por Jim Morrison.
O título de uma música dos Beatles, Lucy in the Sky with Diamonds, aludiria, pelas iniciais, ao LSD, ao qual sucederam-se a cocaína, a heroína, o ecstasy.
Por que artistas, poetas e escritores fazem uso de álcool e drogas? A desculpa clássica era de que estavam atrás de substâncias que estimulassem a criatividade. Papo furado.
Na verdade, tratava-se de um mecanismo de fuga. Arte e literatura não são como o trabalho sistemático, rotineiro. Envolvem longos períodos sem produção e isto inevitavelmente se acompanha de uma ansiedade às vezes insuportável. Disse Charles Bukowski:
"Beber faz com que você saia da rotina do dia-a-dia, impede que tudo seja igual, arranca você pra fora do seu corpo e de sua mente." Mas ele não tinha ilusões sobre este escape da rotina: "É uma forma de suicídio, só que pode voltar à vida."
Que vida? Uma vida atormentada, que passa a girar em torno do copo ou da droga. É um beco sem saída, uma loucura, da qual disse o poeta americano Allen Ginsberg, que fazia pesado uso de drogas: "I saw the best minds of my generation destroyed by madness" (eu vi as melhores mentes de minha geração destruídas por drogas).
Jovens artistas: não caiam nessa. Se vocês quiserem se situar no mundo e na vida, não façam como William Faukner. Nem todo mundo pode ter Lygia Fagundes Telles como cicerone.
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