01 de agosto de 2013 |
N° 17509
EDITORIAIS ZH
RELAÇÃO PROMÍSCUA
De tão previsível, não surpreende
a mais ninguém o gesto da presidente Dilma Rousseff de autorizar a liberação de
R$ 6 bilhões (em três parcelas de R$ 2 bilhões) para emendas parlamentares ao
Orçamento Geral da União, a fim de evitar surpresas desagradáveis nas votações
previstas para este mês no Congresso.
Já é tradicional no Brasil que o
relacionamento entre o governo federal e a base aliada no Congresso se organize
a partir de um duplo movimento: no início do ano, o chamado contingenciamento
ou congelamento da execução de parte do Orçamento do ano corrente, e, à medida
que se aproxima o final do exercício, a abertura seletiva da torneira para
irrigar a propensão de deputados e senadores a serem fiéis ao Planalto.
Não é por falta de engenho que a
elite política brasileira não consegue resolver problemas críticos da nação.
Afinal, em pouco mais de duas décadas da promulgação da Constituição de 1988,
governantes e representantes tiveram sucesso em uma empresa de rara
complexidade: convencer quase 190 milhões de cidadãos de que, por um lado, o
Orçamento Geral da União é um autêntico ordenamento de receitas e despesas
públicas e que, por outro, a forma e o ritmo de sua execução dependem do
livre-arbítrio do presidente da República.
Um subproduto desse conto de
fadas é o mecanismo da emenda parlamentar ao Orçamento, pelo qual deputados e
senadores criam despesas, quase sempre sem receitas correspondentes, e, caso o
referido gasto seja efetivamente realizado, assumem perante os eleitores a
paternidade da obra ou do serviço.
A verdade, porém, é bem outra. Em
primeiro lugar, o Orçamento Geral da União pertence, no mais das vezes, ao
terreno da literatura fantástica e não da literatura realista. Em segundo, a
emenda parlamentar não é uma prodigalidade do parlamentar em relação ao
eleitor, e sim uma rédea pela qual o Executivo garante a obediência do
Legislativo. E, em terceiro, os benefícios previstos nas emendas parlamentares
– como, de resto, em todo o Orçamento – são um dever do Estado, custea-do por
meio de impostos pagos pelo contribuinte, e não favor prestado pelo Congresso.
O atual debate sobre reforma
política tomaria um rumo promissor se fosse examinada seriamente a
possibilidade de se disciplinar e moralizar de forma severa a elaboração, a
execução e o controle do Orçamento Geral da União. Já existem propostas a esse
respeito, como abolição das emendas individuais e adoção de mecanismos de
fiscalização e participação popular na composição e na execução da peça
orçamentária. O que não se pode tolerar é a continuidade do atual estado de
coisas, no qual recursos consideráveis oriundos dos cofres públicos tornam-se
objeto de barganha entre poderes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário