Outros mundos
Na
semana passada, cientistas da Nasa puseram o telescópio espacial Kepler em uma
espécie de coma tecnológico: a sonda, desenhada para buscar planetas
semelhantes à Terra girando em torno de estrelas na nossa vizinhança cósmica,
falhou de uma forma que parece irremediável.
Lançada
em 2009, a Kepler encontrou 132 planetas e 2.700 outros astros que podem passar
no teste e esperam estudos mais detalhados. A confirmação será feita por telescópios
terrestres que agora sabem para onde olhar nos céus.
Custando
US$ 550 milhões, a sonda Kepler revolucionou nossa visão do Universo e do nosso
lugar nele.
A noção
de que estrelas têm planetas girando à sua volta é muito antiga, remontando ao
menos à Grécia Antiga, onde filósofos como Epicuro, já no século 4º a.C.,
sugeriram a existência de outros mundos: "Existem infinitos mundos
parecidos e diferentes do nosso. Pois os átomos, infinitos em número, se
espalham pelas profundezas do espaço." A noção foi elaborada por Giordano
Bruno ao final do século 16 em seu tratado "Sobre o Universo Infinito e os
Mundos". Para Bruno, esses outros mundos seriam semelhantes à Terra, também
habitados.
Era
claro que, caso existissem outras Terras, a centralidade da nossa estaria ameaçada.
No debate sobre a existência de outros mundos, essa era a questão essencial: somos
únicos e, portanto, especiais de alguma forma, ou apenas a norma do que existe
pelos confins do espaço?
Foram
necessários 413 anos após a morte de Bruno para que tivéssemos uma resposta ao
menos parcial a essa pergunta. Em quatro séculos, passamos da mera especulação
sobre a existência de outras Terras à observação concreta de planetas que, se não
são como o nosso, ao menos podem ser semelhantes.
Hoje,
temos uma disciplina em astronomia chamada de planetologia comparada, na qual
as propriedades de planetas diversos são examinadas e estudadas em detalhes.
Mesmo
que ainda em sua infância, aprendemos já várias coisas: que estrelas, na sua
maioria, têm planetas girando à sua volta; que a vida só é possível naqueles
que respeitam uma série de regularidades nas suas propriedades astronômicas e
que têm composição química bem específica.
Note
que quando cientistas falam de vida em outros planetas se referem à vida como nós
a conhecemos, isto é, baseada em compostos de carbono e em soluções aquosas. Outros
tipos, mesmo que interessantes, são provavelmente ficção. (A menos que a vida
tenha evoluído de tal forma que tenha deixado para trás sua carcaça de carbono,
existindo numa espécie de rede digital definida em campos eletromagnéticos, sem
existência física.)
Se
estamos ainda na infância de nossa exploração cósmica, podemos ao menos nos
contentar com o que já aprendemos: há centenas de bilhões de planetas na nossa
galáxia; se não são infinitos, esses mundos são incontáveis; talvez existam
alguns com propriedades semelhantes às do nosso; detalhes da vida nesses mundos
dependem da história de cada um e, por isso, somos únicos no Universo, produtos
da Terra e de sua história única.
Outras
sondas mais poderosas do que a Kepler continuarão a busca. Mas o que já aprendemos
demonstra nossa importância cósmica.
Marcelo
Gleiser
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