segunda-feira, 3 de junho de 2013


03 de junho de 2013 | N° 17452
CÍNTIA MOSCOVICH

Meu sangue ferve por você

Tem gente que acha que as coisas engraçadas não são sérias ou graves – como se o legitimamente engraçado não fosse absolutamente sério e grave.

Pensei nisso, no peso das coisas risíveis, quando, faz pouquinho tempo, a Claudia Tajes anunciou no Facebook que tinha entregue os originais de seu nono livro, Sangue Quente. Ainda não li a nova cria, mas sei que, como todos os outros livros da Tajes, Sangue Quente vai ser um lançamento de arromba, para dizer o mínimo dos mínimos.

Sei também que a própria Claudia, naqueles acessos de genuína modéstia que lhe são característicos e quase se desculpando por fazer os outros se divertirem, vai considerar o livro mais um acidente de percurso do que, digamos, “literatura séria”.

(O modus vivendi claudiano tem disso: de chamar de “livrinho” joias que qualquer autor adoraria assinar, de não dar a mínima para rapapés e de olhar o mundo de uma perspectiva oblíqua e quase absurda de tão verdadeira. A Claudia não se leva a sério por pura sanidade.)

Daí que me bateu a saudade de Por Isso Eu Sou Vingativa, de 2011, que li, claro, numa única madrugada, entre gargalhadas e comiseração. A protagonista, Sara Gomes, uma moça que trabalha na lavanderia da família, decide dar o troco aos homens que a magoaram no passado. São oito enredos de vingança terríveis, romances frustrados à base de humilhações e crueldades, histórias tão horrorosas quanto ridículas.

O texto é de uma simplicidade, de um humor, de uma ironia, de um tudo da melhor extração, porque se passa dentro do verossímil, do sujo, do baixo, mas sem um pingo de apelação.

Claudia denuncia os fiascos amorosos e familiares de todo mundo, toca no carne viva das frustrações, no núcleo da vergonha e celebra o inconfessável sabor da vingança. Dá até para a gente pensar que é possível restabelecer a autoestima de uma mulher através de acertos de contas temporões. O pior é que ela faz tudo isso como se lidar com a linguagem fosse fácil e como se escrever não demandasse esforço. É quase impossível mas é o que ela tem realizado desde a estreia, com Dez (Quase) Amores, de 2000.


Esperemos por Sangue Quente (que tem o subtítulo de Contos com Alguma Raiva), com a certeza de que o melhor – e o mais bem-humorado – da literatura brasileira está por vir. Coisa muito séria.

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