11
de maio de 2012 | N° 17066
DAVID
COIMBRA
A vida à noite
O
que as pessoas fazem quando estão em um bar? Conversam, contam piadas, riem,
namoram, comem, bebem.
As
pessoas até podem brigar, quando estão em um bar, mas, em geral, não é por isso
que elas estão lá. Elas estão lá para se divertir, para ver outras pessoas,
encontrar amigos ou amores. Não são coisas ruins, portanto. Ao contrário, são
boas. Em um bar, as pessoas exercem sua humanidade.
Uma
grande cidade é grande também por seus bares, que são decisivos pontos de
convivência. Uma das medidas da importância de uma cidade é a intensidade da
sua noite. Não é à toa que os americanos se gabam de que Nova York é “a cidade
que nunca dorme”.
Já Porto
Alegre vai dormir à uma da manhã durante a semana e às duas aos sábados, de
acordo com o horário imposto à região da boemia. Mas não estou criticando o
toque de recolher. Não. Entendo que o limite é resultado da disputa ancestral
entre o que Nietzsche chamaria de o dionisíaco e o apolíneo.
O
dionisíaco é o espontâneo, o alegre, o festivo; apolíneo é o cerebral, a disciplina,
a organização. Prazer versus trabalho, em outras palavras. E o trabalho sempre
vence. Porque, afinal, a nossa civilização ocidental foi ensinada a atormentar-se
com a culpa quando sente prazer.
Esta
semana mesmo, um leitor, ao elogiar uma matéria de ZH sobre a castidade entre
os jovens, escreveu: “Felizmente, depois da borrasca erótica que desaba sobre a
sociedade, raia um arco-íris de pureza”. E é isso: a castidade é a pureza; o
sexo é impuro. Prazer é igual a pecado. Logo, um bar, que poderia ser visto
como um local de prazer e de alegria, não raro é visto como um antro de pecado
e de vício.
Só que
mesmo o abstêmio mais santarrão precisa de uma válvula de escape para a sua (a
nossa, a minha) natureza selvagem. Você necessita de um canal para sublimar
seus instintos. Então, você pode compor sinfonias ou pintar o pôr do sol, pode
fazer gols ou correr a maratona, pode dissipar sua fortuna com as mulheres ou
com os cavalos de carreira, pode tirar a vida de outros seres humanos ou lhes
diminuir o patrimônio. Ou beber com os amigos. Algo você terá de fazer.
Por
que teço toda essa argumentação? Porque só com justificativa filosófica para
convencer as pessoas de que o poder público deveria classificar entre suas
prioridades a criação de um espaço para a alta boemia porto-alegrense. Só com
muita teoria para convencer as pessoas de que nem sempre cultivar o prazer é se
repoltrear no pecado.
E até
faço uma sugestão: o Cais do Porto, há tantos anos esperando por grandes
projetos, bem pode prescindir dos grandes e ficar com os pequenos. Afinal,
aquela não é uma área residencial, é de fácil acesso e poderia ser protegida
sem problemas, com alguma vigilância em seus portões.
Os
bares da Cidade Baixa poderiam ser estimulados a se mudar para lá e funcionar
no horário que bem entendessem. Até as operações da Balada Segura seriam
facilitadas. E, assim, a cidade daria a boemia aos boêmios e descanso aos
trabalhadores, e, pelo menos às margens plácidas do rio, Porto Alegre também
seria uma cidade que nunca dorme.
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