sexta-feira, 11 de maio de 2012



11 de maio de 2012 | N° 17066
DAVID COIMBRA

A vida à noite

O que as pessoas fazem quando estão em um bar? Conversam, contam piadas, riem, namoram, comem, bebem.

As pessoas até podem brigar, quando estão em um bar, mas, em geral, não é por isso que elas estão lá. Elas estão lá para se divertir, para ver outras pessoas, encontrar amigos ou amores. Não são coisas ruins, portanto. Ao contrário, são boas. Em um bar, as pessoas exercem sua humanidade.

Uma grande cidade é grande também por seus bares, que são decisivos pontos de convivência. Uma das medidas da importância de uma cidade é a intensidade da sua noite. Não é à toa que os americanos se gabam de que Nova York é “a cidade que nunca dorme”.

Já Porto Alegre vai dormir à uma da manhã durante a semana e às duas aos sábados, de acordo com o horário imposto à região da boemia. Mas não estou criticando o toque de recolher. Não. Entendo que o limite é resultado da disputa ancestral entre o que Nietzsche chamaria de o dionisíaco e o apolíneo.

O dionisíaco é o espontâneo, o alegre, o festivo; apolíneo é o cerebral, a disciplina, a organização. Prazer versus trabalho, em outras palavras. E o trabalho sempre vence. Porque, afinal, a nossa civilização ocidental foi ensinada a atormentar-se com a culpa quando sente prazer.

Esta semana mesmo, um leitor, ao elogiar uma matéria de ZH sobre a castidade entre os jovens, escreveu: “Felizmente, depois da borrasca erótica que desaba sobre a sociedade, raia um arco-íris de pureza”. E é isso: a castidade é a pureza; o sexo é impuro. Prazer é igual a pecado. Logo, um bar, que poderia ser visto como um local de prazer e de alegria, não raro é visto como um antro de pecado e de vício.

Só que mesmo o abstêmio mais santarrão precisa de uma válvula de escape para a sua (a nossa, a minha) natureza selvagem. Você necessita de um canal para sublimar seus instintos. Então, você pode compor sinfonias ou pintar o pôr do sol, pode fazer gols ou correr a maratona, pode dissipar sua fortuna com as mulheres ou com os cavalos de carreira, pode tirar a vida de outros seres humanos ou lhes diminuir o patrimônio. Ou beber com os amigos. Algo você terá de fazer.

Por que teço toda essa argumentação? Porque só com justificativa filosófica para convencer as pessoas de que o poder público deveria classificar entre suas prioridades a criação de um espaço para a alta boemia porto-alegrense. Só com muita teoria para convencer as pessoas de que nem sempre cultivar o prazer é se repoltrear no pecado.

E até faço uma sugestão: o Cais do Porto, há tantos anos esperando por grandes projetos, bem pode prescindir dos grandes e ficar com os pequenos. Afinal, aquela não é uma área residencial, é de fácil acesso e poderia ser protegida sem problemas, com alguma vigilância em seus portões.

Os bares da Cidade Baixa poderiam ser estimulados a se mudar para lá e funcionar no horário que bem entendessem. Até as operações da Balada Segura seriam facilitadas. E, assim, a cidade daria a boemia aos boêmios e descanso aos trabalhadores, e, pelo menos às margens plácidas do rio, Porto Alegre também seria uma cidade que nunca dorme.

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