quinta-feira, 10 de maio de 2012



10 de maio de 2012 | N° 17065
PAULO SANT’ANA

Faltou fazer muita coisa

O entrevistado do Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira, era o destacado filósofo e professor brasileiro José Arthur Giannotti.

Fiquei muito orgulhoso quando ele declarou que é absolutamente favorável à cota de ingressos de negros nas universidades pela razão de que se trata meramente de uma compensação a séculos de discriminação aos negros no Brasil.

Foi exatamente o que escrevi na semana passada nesta coluna, as mesmas palavras, a mesma opinião minha e o mesmo motivo que elegi.

Sinto-me confuso. Não sei se já vivi bastante ou se ainda falta muito para viver.

O que atrapalha na vida é o envelhecimento. Não fosse ele, 200 anos seriam um ótimo tempo para viver.

Eu às vezes olho em torno e me lembro de tantos amigos e gente conhecida que já morreu, sentindo pena deles. Gostaria que ainda estivessem por aqui.

No meu caso, sinto que desperdicei muito a vida. Tinha de ter dado mais atenção a pessoas que eram valiosas para mim.

Tinha de ter ocupado as tardes de sábados e de domingos para me encontrar com as pessoas que estimava.

Tinha de ter convidado mais gente para tomar café pela manhã, almoçar, jantar, passear no parque. Tinha de ter me aproximado mais das pessoas, fui muito distante das pessoas de que gostava, elas mereciam mais a minha presença e eu necessitava de mais presença delas.

Tinha de ter andado mais a cavalo, tinha de ter nadado mais, tinha de ter comido mais pipocas, andado mais de cipó, de bicicleta, tinha de ter subido mais em árvores, não me perdoo de não ter brincado mais de roda quando era criança e de não ter subido o Morro da Polícia mais do que as 50 vezes que o subi.

Eu tinha de ter comido mais cachorro-quente.

Eu tinha de ter comido mais ervilha e milho verde. Eu tinha de ter aprendido a gostar de rabanete e nabo. Nem sei de que jeito, porque detesto ambos. Mas devem ser gostosos. É isso aí, eu tinha de ter aprendido a fazer tantas coisas de que não gosto.

Uma coisa que eu não me perdoo foi não ter levado mais a passear nas ruas e nos parques os cachorros que tive. Eu tinha de ter procurado me comunicar melhor com os cachorros que tive, eu tinha de ter conversado mais com os cachorros que tive, talvez tivesse conseguido deles ótimas respostas.

Eu tinha de ter flertado mais, namorado mais, amado mais. Eu tinha de ter dado mais presentes para as pessoas de quem gostava.

Eu tinha de ter ido mais ao cinema, este é um dos maiores prazeres da vida. Eu tinha também de ter lido mais aqueles livros clássicos que ensinam a melhor compreender a vida.

Eu tinha de ter tido mais simpatia com a chuva, deixar de compreendê-la como uma coisa chata.

Eu tinha de ter oferecido a minha mão para mais gente e abraçado calorosamente muitas pessoas que encontrei na rua e mereciam de mim mais atenção.

Mas, em compensação, fico pensando que essas meditações podem ser úteis para mim, porque talvez haja ainda muito tempo para fazer o que não fiz.

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