10
de maio de 2012 | N° 17065
L.
F. VERISSIMO
Os cinco cegos e o
elefante
Todos
conhecem a história dos cinco cegos e do elefante. Cada cego apalpa uma parte
do elefante e identifica um animal diferente.
E se
os cinco cegos fossem Homero, Jorge Luis Borges, Ray Charles, Mr. Magoo e James
Joyce, que não era totalmente cego mas enxergava pouco? Cada um apalpando uma
parte do elefante.
Homero:
“Não sei que bicho é, mas cabem muitos gregos nesta barriga...”
Joyce:
“É um animalegóricobuce-fálico simbioselizando a androginergia da
raçumanancialprimEva, e estas bolas são decididamente irlandesas”.
Borges:
“Este deve ser um dos 87 troncos que sustentam o Palácio dos Pavões em
Samarkand, onde está a biblioteca circular do príncipe Rham’apu, onde há um
único códice, que contém a única imagem conhecida do Palácio dos Pavões em
Samarkand, onde está a biblioteca circular do príncipe Rham’apu, onde há um
único códice que contém a única imagem conhecida do Palácio dos Pavões em
Samarkand, onde está a biblioteca circular do príncipe Rham’apu, onde há um
único códice que contém... estranho, a imagem de um elefante!”.
Mr.
Magoo (que entrou na boca do elefante pensando que era o banheiro): “Help!”.
Ray
Charles (acariciando a cauda peluda do elefante): “Georgia!”.
Meu
bunker
Uma
vez um repórter foi me entrevistar em casa e depois escreveu que eu trabalhava
num bunker sem janelas. Como o lugar em que eu trabalho tem duas boas janelas
dando para um pátio e seus sabiás, conclui que a) ele já estava com a ideia do
bunker pronta e as janelas não foram convincentes o bastante para mudá-la, b)
ele não viu as janelas, c) não se pode confiar em jornalistas. Ou então a
impressão de que se trata mesmo de uma toca forrada de livros é tão forte, que
ele tinha razão: mesmo com janelas, é um bunker sem janelas.
Pilhas
de livros cobrem mesas e chão, e o dia prometido em que serão colocados nas
estantes junto com os outros nunca chega. A Lúcia já desconfia de que seja um
dia mítico, que talvez coincida com o fim dos tempos. Mas os livros que estão
nas estantes têm uma certa organização.
A
flâmula do Internacional que pende de uma das prateleiras está presa, não me
pergunte por que, pelos livros da Clarice Lispector, que pelo menos estão todos
juntos. No bunker também tenho meu som, meus discos de vinil, que passam o
tempo todo murmurando “Nunca mais”, e os compactos.
É lá
também que tenho o meu escarrapachão, ou a cadeirona onde, como o nome está
dizendo, me escarrapacho, para ler e ouvir música. E nunca para dormir
escondido no meio do dia, apesar de calúnias em contrário.
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