09
de maio de 2012 | N° 17064
MARTHA
MEDEIROS
Às três e meia da tarde
Eu
trabalhava num prédio comercial da Avenida Carlos Gomes, com grandes janelões
para a rua. Um dia deixei minha mesa, fui até um desses janelões e fiquei
espiando o intenso movimento dos carros. Eram entre três e quatro da tarde. Fiquei
olhando, olhando. Mal percebi uma colega que se aproximou e também ficou
olhando, olhando. Até que ela disse em voz alta exatamente aquilo que eu estava
pensando: “Esse pessoal não trabalha?”.
Caímos
no riso. Parecíamos duas detentas sonhando com uma liberdade longínqua. Estávamos
apatetadas por ver tanta gente transitando pra lá e pra cá no meio da tarde de
um dia útil, enquanto nós ficávamos trancafiadas num escritório das 8h30min ao
meio-dia e das 14h às 18h30min, saindo dali apenas quando precisávamos ir a um
médico ou fazer uma reunião com um cliente.
Toda
aquela gente estaria também indo ao médico ou a uma reunião com o cliente?
Isso
foi em outra vida, quando eu ainda era funcionária em tempo integral e o “intenso”
movimento dos carros era fichinha perto da avalanche que inunda as avenidas
hoje. Só que agora contribuo para essa avalanche. Há mais de 15 anos que
trabalho em casa, um luxo que permite que eu saia às 10h30min para ir ao
supermercado, às 14h45min para levar uma filha à aula de dança, às 17h para ir
a uma livraria comprar um presente. Ou seja, sou mais uma das que “não
trabalham”.
Ainda
assim, acredito que muitos também se perguntem: essa turma que afunila as ruas
no meio da manhã e no meio da tarde está indo para onde, vindo de que lugar? Não
deveria estar dando expediente como gente normal?
São
fotógrafos de moda se dirigindo a uma locação, confeiteiras entregando uma
encomenda, executivos indo visitar uma irmã na maternidade, jornalistas saindo
ao encontro de um entrevistado, farmacêuticos voltando do dentista, lojistas
transportando roupas de uma filial para outra, publicitárias levando o filho
pra tirar o gesso da perna, psicólogos que foram experimentar um terno feito
sob medida para o casamento do melhor amigo, universitárias seguindo em direção
ao shopping porque o professor ficou doente, chefs de cozinha indo vistoriar os
preparativos do bufê de um evento corporativo, bancários dando uma carona para
a namorada até o aeroporto.
Não
existe mais hora do rush, nem ruas livres e transitáveis no meio da manhã e da
tarde. Agora, com tanta gente facilitando o próprio ofício com tecnologia portátil,
com a flexibilização de horários de trabalho e sem mais a tirania do cartão-ponto,
a vida ficou mais ágil e menos monótona.
As
ruas estão cheias não só porque são vendidos mais automóveis, não só porque as
cidades não se planejaram para esse excessivo volume de veículos, mas também
porque aprendemos a trabalhar e viver ao mesmo tempo. As ruas estão cheias
porque aprendemos a trabalhar e viver ao mesmo tempo.
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