06
de maio de 2012 | N° 17061
VERISSIMO
Lá vai um...
O
sono não vem. Você já leu tudo que queria ler, e o sono não vem. Você já repassou
tudo o que fez durante o dia e planejou tudo que fará no dia seguinte, e o sono
não vem. E o dia seguinte ainda está longe.
Contar
carneirinhos pulando a cerca, será que adianta mesmo? Coisa de americano. Mas lá
vai um, lá vai dois, lá vai três... Ih, lá vem o um de volta. Organização,
gente. Lá vai quatro. O cinco não conseguiu. O seis pulou em cima do cinco... Assim
não vai dar. Você vai ficar ainda mais tenso.
Pensar
em nada. Isso. Fechar os olhos e pensar em nada. Esvaziar o cérebro. Concentrar
o pensamento num ponto no exato centro do seu cérebro, depois transportar esse
ponto para o exato centro do Universo. Você não é mais você, você é o que
existe em torno desse ponto luminoso no exato centro do Universo.
Você
é o Universo! Se você abrir os olhos, o Universo vazará pelos seus olhos e
inundará seu quarto, inundará sua vizinhança...
Suas
pálpebras são só o que retém o Universo dentro do seu cérebro e o impedem de
invadir... o Universo. Suas pálpebras são as únicas tênues defesas do Universo
contra o caos. Não abra os olhos, não abra os olhos, não abra os... Você abre
os olhos, em pânico. Quem pode dormir com tanta responsabilidade?
Quem
sabe ler mais um pouco? Tanta coisa para ler... Na verdade, só quem tem insônia
tem tempo para ler. É por isso que todo intelectual tem aquela cara de zonzo. Não
é cultura, é sono. Intelectual não dorme. Não dorme porque é intelectual ou é intelectual
porque não dorme e tem tempo para ler? Você não sabe. A sua insônia não tem
qualquer proveito cultural. A sua insônia, além de tudo, é burra.
Você
lembra que quando era criança achava que tinha um monstro embaixo da cama. Quando
precisava fazer xixi durante a noite, dava um pulo da cama, pro monstro não
pegar o seu pé. E na volta dava outro pulo pra cima da cama. O engraçado era
que você nunca imaginava que o monstro fosse sair debaixo da cama e correr atrás
de você.
Era
um monstro terrível, comedor de pé de criança, mas era preguiçooooso... Você pensa:
até que seria bom se houvesse mesmo um monstro embaixo da sua cama. Pelo menos
alguém para conversar. Trocar reminiscências da infância... Lembra os pulos que
eu dava para cair na cama sem você me pegar? Vocês dariam boas risadas.
Nem
precisava ser um monstro. O ideal seria ter um psicanalista embaixo da cama. Além
de alguém para conversar, alguém para curar a sua insônia. Quem sabe contar
psicanalistas pulando a cerca? Lá vai um, lá vai dois, lá vai três... Ei, você,
o quarto: não é para analisar o simbolismo da cerca, é para pular! Deve ser um
freudiano ortodoxo. Lá vai quatro, lá vai cinco...
Você
começa a enumerar todas as mulheres que teve na sua cama de adolescente. Artistas
de cinema, vizinhas, primas... Sua imaginação as colocava ao seu lado na cama e
vocês se amavam loucamente. E o melhor: depois do amor, depois de saciado – você
dormia! Como você dormia antigamente. Que fim levara aquele sono todo?
Cérebro
vazio. Pensar em nada. Esperar o amanhecer. Esperar o bendito dia seguinte. E o
dia seguinte parece ficar cada vez mais longe.
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