sábado, 5 de maio de 2012



06 de maio de 2012 | N° 17061
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

O solteiro

George Clooney é um homem solteiro. Completa 51 anos neste domingo, e é solteiro. Merece homenagem. A começar porque George é solteiro por opção. Não que seja difícil casar. Olhe em volta.

Os seres humanos menos “desejáveis” estão casados. O zelador do seu prédio que anda sempre de regata é casado, os azuizinhos multadores são casados, os especialistas em endomarketing são casados, os donos de pitbulls são casados.

Quando vejo um dos tantos casados repugnantes que andam sobre o chão e sob o sol, fico pensando em sua mulher. Ele caminha por Brasília com o pescoço amarrado numa gravata, ele lambe as solas dos sapatos dos nababos e logo me ocorre: esse sujeito tem uma mulher que partilha os dias e a cama com ele e, pior, se repimpa com ele e para ele até deu um filho que, miseravelmente, é a cara dele. Como ela pôde cometer isso?

Alguém pode achar que as mulheres são generosas. Não se trata disso. Trata-se do instinto animal, da sobrevivência da espécie, o mesmo instinto que faz com que formigas e abelhas operárias trabalhem para alimentar a rainha. As três, abelhas, formigas e mulheres, funcionam em nome da continuidade da vida sobre a Terra.

As abelhas e as formigas podem até morrer pela rainha responsável pela reprodução no formigueiro ou na colmeia, enquanto as mulheres se submetem à convivência com homens que vão ao shopping vestindo camisa de time.

Se uma mulher casa com esse homem, imagine, então, um cara como o George, ator de Hollywood, bonitão, aparentemente inteligente e RICO. Uma mulher olha para George e deseja de imediato misturar os seus genes aos dele. Os mecanismos da evolução da espécie se põem a funcionar, os ácidos nucleicos dela fervem, suas entranhas se intumescem e todo o seu ser implora: Quero procriar! Quero procriar!

Calculo as armadilhas que George teve de desarmar para continuar solteiro, uma delas até o divórcio obtido quando, em tenra idade, casou-se por breve porém suficiente tempo. Imagino as dezenas de mulheres que George possuiu, algumas dengosas, outras agressivas, não poucas meigas, menos ainda fatais, todas lindas, macias e ansiosas por capturá-lo.

E ele não cedeu. Trata-se de um sobrevivente, de um exemplo, de um farol. Trata-se d’O Maior Solteiro do Mundo.

Um herói caído

O homem solteiro é uma ameaça. Não à continuação da espécie, pois solteiros podem fazer filhos. O solteiro ameaça a Civilização, essa criação da mulher. Neste ponto, lembro um velho herói de épocas primevas, um ser intrigante, que tem a ver com George: o neandertal.

O neandertal é uma dessas espécies humanas extintas em meio à conflagração da pré-história. Havia várias. Os hobbits, por exemplo, não passavam de um metro de altura. Se tivessem sobrevivido, imagine suas casinhas, seus carrinhos, suas cidadezinhas. Viveriam no Minimundo.

O neandertal, não. O neandertal era mais forte do que nós, sapiens. E possuía cérebro maior. Era mais inteligente. Vivia em pequenos bandos, alimentava-se da caça e da coleta. Não trabalhava. O bando partilhava seus poucos instrumentos, os alimentos e as doces fêmeas. Ninguém era de ninguém. Se ocorresse uma enchente ou uma carestia, ele se mudava. Era um desapegado. Vivia sem posses, sem compromissos e sem psicanalistas. Só que desapareceu. Como derrotamos o neandertal?

Aí é que está: não fomos nós, os sapiens. Foram AS sapiens. Elas inventaram a família e, com a família, a Civilização. Porque a mulher precisa de estabilidade. Fica grávida durante nove meses e depois tem de apascentar crias que não são independentes como as dos animais. Isso dificulta a mobilidade da fêmea por largo período.

Assim, a alegre vida nômade não era a ideal para a mulher. Foi o que a estimulou a observar e domesticar plantas e animais. Domesticando-os, criou a propriedade; com a propriedade, criou a família; com a família, domesticou o homem. Domesticado, o homem eliminou o neandertal. Logo, a mulher acabou com a vida nômade e selvagem. Que saudade.

Os antepassados de George

O neandertal nômade, forte e independente era uma ameaça à Civilização que a mulher sapiens havia criado. Porque a vida nômade do neandertal era um exemplo constante ao homem sapiens. Os homens lembravam-se de seus tempos de selvageria, e suspiravam por eles. Suspiram até hoje.

Os tempos de selvageria e nomadismo, das ruidosas caçadas e da existência livre são reproduzidos todos os dias nas atividades esportivas, nos jogos de guerra, na violência urbana e na grande arte. A pintura, a literatura, a escultura e a música são apenas sublimações dos instintos bárbaros do homem. O homem queria ser como o neandertal, queria ser como foi um dia, e não é mais.

Exceto George.

George resiste ao casamento, logo resiste à família, logo resiste à Civilização. George é como o neandertal, que preferiu extinguir-se a civilizar-se. São poucos como ele. Mas ele significa muito para muitos.

O Potter

É fácil encontrar o Potter. Procure atrás de um smartphone. Ele está sempre lá. É irritante, porque, mesmo que estejamos com ele, ele nunca está conosco. Ele está sempre com alguém mais importante lá do mundo virtual.

Fora esse inconveniente, o Potter é uma pessoa de quem todo mundo gosta, desde que o conheça. Quem não o conhece pode não gostar dele por um único motivo: porque o Potter é uma ameaça.

Ocorre que o Potter é um solteiro e, mais, ele exerce sua solteirice. Então, todas as mulheres comprometidas temem a influência do Potter e todos os homens comprometidos invejam a vida do Potter. Em resumo, o Potter é um péssimo exemplo. Por isso, muitas mulheres se aproximam dele para censurá-lo e muitos homens se aproximam dele para espancá-lo.

Só que, quando eles chegam perto do Potter, se encantam com sua simplicidade, sua lealdade e seu bom humor. Assim, os homens se tornam amigos do Potter e as mulheres ficam apaixonadas pelo Potter. O que leva à conclusão inevitável de que quem não o conhece tem razão: o Potter é mesmo uma ameaça.

Do filósofo Guerrinha sobre a vida do homem casado: “A última calcinha que eu vi foi da minha vizinha. No varal”

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