06
de maio de 2012 | N° 17061
O CÓDIGO
DAVID | DAVID COIMBRA
O solteiro
George
Clooney é um homem solteiro. Completa 51 anos neste domingo, e é solteiro. Merece
homenagem. A começar porque George é solteiro por opção. Não que seja difícil
casar. Olhe em volta.
Os
seres humanos menos “desejáveis” estão casados. O zelador do seu prédio que
anda sempre de regata é casado, os azuizinhos multadores são casados, os
especialistas em endomarketing são casados, os donos de pitbulls são casados.
Quando
vejo um dos tantos casados repugnantes que andam sobre o chão e sob o sol, fico
pensando em sua mulher. Ele caminha por Brasília com o pescoço amarrado numa
gravata, ele lambe as solas dos sapatos dos nababos e logo me ocorre: esse
sujeito tem uma mulher que partilha os dias e a cama com ele e, pior, se
repimpa com ele e para ele até deu um filho que, miseravelmente, é a cara dele.
Como ela pôde cometer isso?
Alguém
pode achar que as mulheres são generosas. Não se trata disso. Trata-se do
instinto animal, da sobrevivência da espécie, o mesmo instinto que faz com que
formigas e abelhas operárias trabalhem para alimentar a rainha. As três,
abelhas, formigas e mulheres, funcionam em nome da continuidade da vida sobre a
Terra.
As
abelhas e as formigas podem até morrer pela rainha responsável pela reprodução
no formigueiro ou na colmeia, enquanto as mulheres se submetem à convivência
com homens que vão ao shopping vestindo camisa de time.
Se
uma mulher casa com esse homem, imagine, então, um cara como o George, ator de
Hollywood, bonitão, aparentemente inteligente e RICO. Uma mulher olha para George
e deseja de imediato misturar os seus genes aos dele. Os mecanismos da evolução
da espécie se põem a funcionar, os ácidos nucleicos dela fervem, suas entranhas
se intumescem e todo o seu ser implora: Quero procriar! Quero procriar!
Calculo
as armadilhas que George teve de desarmar para continuar solteiro, uma delas até
o divórcio obtido quando, em tenra idade, casou-se por breve porém suficiente
tempo. Imagino as dezenas de mulheres que George possuiu, algumas dengosas,
outras agressivas, não poucas meigas, menos ainda fatais, todas lindas, macias
e ansiosas por capturá-lo.
E
ele não cedeu. Trata-se de um sobrevivente, de um exemplo, de um farol. Trata-se
d’O Maior Solteiro do Mundo.
Um
herói caído
O
homem solteiro é uma ameaça. Não à continuação da espécie, pois solteiros podem
fazer filhos. O solteiro ameaça a Civilização, essa criação da mulher. Neste
ponto, lembro um velho herói de épocas primevas, um ser intrigante, que tem a
ver com George: o neandertal.
O
neandertal é uma dessas espécies humanas extintas em meio à conflagração da pré-história.
Havia várias. Os hobbits, por exemplo, não passavam de um metro de altura. Se
tivessem sobrevivido, imagine suas casinhas, seus carrinhos, suas cidadezinhas.
Viveriam no Minimundo.
O
neandertal, não. O neandertal era mais forte do que nós, sapiens. E possuía cérebro
maior. Era mais inteligente. Vivia em pequenos bandos, alimentava-se da caça e
da coleta. Não trabalhava. O bando partilhava seus poucos instrumentos, os
alimentos e as doces fêmeas. Ninguém era de ninguém. Se ocorresse uma enchente
ou uma carestia, ele se mudava. Era um desapegado. Vivia sem posses, sem
compromissos e sem psicanalistas. Só que desapareceu. Como derrotamos o
neandertal?
Aí é
que está: não fomos nós, os sapiens. Foram AS sapiens. Elas inventaram a família
e, com a família, a Civilização. Porque a mulher precisa de estabilidade. Fica
grávida durante nove meses e depois tem de apascentar crias que não são
independentes como as dos animais. Isso dificulta a mobilidade da fêmea por
largo período.
Assim,
a alegre vida nômade não era a ideal para a mulher. Foi o que a estimulou a
observar e domesticar plantas e animais. Domesticando-os, criou a propriedade;
com a propriedade, criou a família; com a família, domesticou o homem. Domesticado,
o homem eliminou o neandertal. Logo, a mulher acabou com a vida nômade e
selvagem. Que saudade.
Os
antepassados de George
O
neandertal nômade, forte e independente era uma ameaça à Civilização que a
mulher sapiens havia criado. Porque a vida nômade do neandertal era um exemplo
constante ao homem sapiens. Os homens lembravam-se de seus tempos de
selvageria, e suspiravam por eles. Suspiram até hoje.
Os
tempos de selvageria e nomadismo, das ruidosas caçadas e da existência livre são
reproduzidos todos os dias nas atividades esportivas, nos jogos de guerra, na
violência urbana e na grande arte. A pintura, a literatura, a escultura e a música
são apenas sublimações dos instintos bárbaros do homem. O homem queria ser como
o neandertal, queria ser como foi um dia, e não é mais.
Exceto
George.
George
resiste ao casamento, logo resiste à família, logo resiste à Civilização. George
é como o neandertal, que preferiu extinguir-se a civilizar-se. São poucos como
ele. Mas ele significa muito para muitos.
O
Potter
É fácil
encontrar o Potter. Procure atrás de um smartphone. Ele está sempre lá. É irritante,
porque, mesmo que estejamos com ele, ele nunca está conosco. Ele está sempre
com alguém mais importante lá do mundo virtual.
Fora
esse inconveniente, o Potter é uma pessoa de quem todo mundo gosta, desde que o
conheça. Quem não o conhece pode não gostar dele por um único motivo: porque o
Potter é uma ameaça.
Ocorre
que o Potter é um solteiro e, mais, ele exerce sua solteirice. Então, todas as
mulheres comprometidas temem a influência do Potter e todos os homens
comprometidos invejam a vida do Potter. Em resumo, o Potter é um péssimo
exemplo. Por isso, muitas mulheres se aproximam dele para censurá-lo e muitos
homens se aproximam dele para espancá-lo.
Só que,
quando eles chegam perto do Potter, se encantam com sua simplicidade, sua
lealdade e seu bom humor. Assim, os homens se tornam amigos do Potter e as
mulheres ficam apaixonadas pelo Potter. O que leva à conclusão inevitável de
que quem não o conhece tem razão: o Potter é mesmo uma ameaça.
Do
filósofo Guerrinha sobre a vida do homem casado: “A última calcinha que eu vi
foi da minha vizinha. No varal”
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