03
de julho de 2014 | N° 17848
VERÍSSIMO
NA COPA
STRAWBERRY
FIELDS
Em todas as Copas, há um período em que as delegações
já chegaram, os jornalistas já chegaram, mas os jogos ainda não começaram. Os
jornalistas cobrem treinos, fazem entrevistas, fuçam, especulam, fofoqueiam,
mas a verdade é que, enquanto a bola na rola para valer, ninguém tem muito
assunto. E aproveitam qualquer coisa extra-futebol para encher o tempo e fazer
matérias.
Em
Guadalajara, na Copa de 86, a
equipe da Rádio Gaúcha, sem nada para transmitir, resolveu irradiar uma
tourada. E lá se foi o Ranzolin narrar os avanços do touro e os meneios do
toureiro, com comentários técnicos do Paulo Sant’Ana! Na Copa da Alemanha, em
2006, parte da equipe de O Globo ficou num hotel rural perto de Frankfurt e da
pequena cidade de Konigstein, onde estava hospedada a Seleção, e no meio de uma
plantação de morangos. Na falta de futebol, comecei a escrever sobre os
morangos. Textos bucólicos, evocativos, exemplos acabados de literatice vazia,
mas providenciais.
Acho
que cheguei a lembrar os morangos com nata batida da minha infância, e não
duvido que Proust e sua memória gustativa tenham entrado na história, além do
Strawberry Fields dos Beatles. Até que veio uma sutil sugestão da editoria de
esportes que eu esquecesse os morangos. Não demorei para descobrir por que:
estava todo mundo no hotel escrevendo sobre os morangos. Já tinha leitores
reclamando.
CONTRASTE
Quanto
mais vejo futebol, mais admiro o rugby. Não, não é que ache o rugby superior ao
futebol. Não seriam necessários mais do que os jogos que estamos vendo nesta
Copa para provar como nenhum esporte coletivo se compara, em emoção e beleza
plástica, ao futebol.
O
que me espanta no rugby é que, sendo um esporte muito mais violento do que
qualquer outro, com homens do tamanho de cruzadores se entrechocando e se
amontoando continuamente, e certamente trocando empurrões, socos e insultos à
mãe nas aglomerações em que a bola é esquecida, não se vê uma cara de dor, um jogador
desabando dramaticamente, como no futebol.
Está
certo, o futebol é jogado aos pontapés, e ninguém duvida que um chute no joelho
ou um pisão no pé doa pra burro, e que as caras de sofrimento sejam sinceras,
mas parece que, com o tempo, as demonstrações de dor no futebol foram ficando
mais cinematográficas. Em contraste com os estoicos jogadores de rugby, que
nunca acusam nenhum golpe. Outro mistério é o que constitui falta no rugby.
Ouvi dizer que só não pode discutir política ou religião.
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