segunda-feira, 30 de junho de 2008


PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


Planos pouco inspirados e atuações fracas prejudicam

Ashton Kutcher e Cameron Diaz, cujos personagens se casam após uma bebedeira em Las Vegas

Em "Jogo de Amor em Las Vegas", Jack (Ashton Kutcher) e Joy (Cameron Diaz) acordam casados, após uma noite de loucuras etílicas em Las Vegas na qual se conheceram e não muito se bicaram.

Maior susto que acordar com aliança no dedo será o juiz não aceitar a anulação do matrimônio, o que forçará o novo casal a morar junto.

Joy é, além de workaholic, dessas que exigem tudo limpinho, ao passo que Jack é um irresponsável cujas casa e vida não estão formatadas para o convívio a dois.

Poderíamos, aqui, estar num embate físico e verbal ao nível das "screwball comedies" de Howard Hawks ("Levada da Breca"). Ou de uma contundência típica das comédias dos irmãos Farrelly, em especial a recente e formidável "Antes Só do que Mal Casado" -cujo título diz tudo.

Mas o longa dirigido por Tom Vaughan opta por uma alameda bastante freqüentada pelas comédias românticas: a da típica equalização a dois que surge da convivência forçada, e o faz de forma pouco engenhosa, com imagens pouquíssimo inspiradas e uma atuação constrangedora de Ashton Kutcher (o fluxo de imagens e a performance do elenco são itens valiosos às comédias).

Do filme, podemos subentender que os casamentos convictos só ocorrem com certa dose de embriaguez (o que é um tanto verdade).

Ou que as imagens desse filme talvez funcionassem melhor se acompanhadas de álcool. Em todo o caso, com uma e outra cena interessante, "Jogo de Amor em Las Vegas" não chega a ser um convite às drogas. E, com o casal central, nem ao casamento.


MOACYR SCLIAR

A vida em leilão

Ele queria livrar-se do seu passado e organizou a venda, que deu certo, mas doía-lhe deixar tudo para trás

Um britânico que decidiu recomeçar do zero após uma separação amorosa já atraiu lances de quase R$ 1,2 milhão depois de colocar "toda a vida" à venda no site de leilões eBay. Ian Usher, 44, que emigrou para a Austrália seis anos atrás, está vendendo sua casa, seu trabalho em um loja e até seus amigos no país.

O "estilo de vida" de Usher foi colocado à venda e atraiu uma centena de interessados dispostos a pagar até 1,8 milhão de dólares australianos.

O vencedor levará a casa de três dormitórios de Usher e tudo o que ela contém: carro, moto, jet-ski, móveis. Além disso, terá direito a passar por um período de testes na loja de tapetes onde Usher trabalha. Usher também apresentará o vencedor aos seus amigos.

"No dia em que tudo for vendido e resolvido, quero sair pela porta da frente com minha carteira em um bolso e meu passaporte no outro, nada mais", ele disse.

"Minha idéia é ir para o aeroporto, perguntar para onde vai o próximo vôo disponível, embarcar e ver para onde a vida me leva a partir daí." Folha Online

O LEILÃO FOI UM SUCESSO , e rapidamente ele conseguiu vender aquilo que chamava de seu "estilo de vida" para um anônimo comprador, que pagou à vista, mediante depósito bancário, mas que surpreendentemente não se apresentou, nem para se candidatar ao emprego na loja de tapetes nem para conhecer os amigos.

O que a ele não importava. Tudo o que queria era voltar para a Inglaterra e esquecer a Marilyn.

Marilyn. Quando a conhecera -logo após a sua chegada à Austrália- tivera a certeza de que havia encontrado o grande amor de sua vida. Para começar, a moça era linda, de uma beleza absolutamente deslumbrante.

E era viva, inteligente, culta, esportiva: tudo aquilo que um homem como ele esperava de uma mulher. No começo era o paraíso: tudo era bom, a convivência, os passeios, o sexo.

Infelizmente, porém, começaram a surgir os problemas. De família rica e influente, Marilyn tinha algo de autoritário.

Queria organizar o que chamava de "estilo de vida" dele, e que não lhe agradava: a casa onde morava, os móveis que havia escolhido, o carro que dirigia; e fazia restrições até ao jet-ski que ele pilotava. Era uma briga atrás da outra e por fim romperam.

Desconsolado, ele decidiu partir; queria livrar-se por completo de seu passado, e daí o original leilão que fizera e que acabara dando certo, coisa que, para sua surpresa, não o deixara alegre, ao contrário, doía-lhe deixar a sua vida para trás.

Agora estava ali, no avião para Londres. Já estava na hora da decolagem e aparentemente todos os passageiros tinham embarcado -só restava um assento vazio, e ficava, justamente ao lado do dele.

Foi então que ela entrou, a Marilyn. Linda como sempre ou melhor, mais linda do que nunca. Sentou-se ao lado dele, abriu a bolsa, mostrou o documento que lhe dava direito a todas as coisas dele e ao emprego.

Fora ela, claro, a anônima vencedora do leilão. Sorrindo, disse: -Sim, eu quero o seu estilo de vida. Mas também quero o dono do estilo de vida, concorda?
Foi só o tempo de desembarcarem correndo. A vida os esperava.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


Sex and the city: o filme e a vida

Há alguns anos, num sábado à noite, possivelmente teria entrado no Cine Vogue ou no Bristol para assistir a algum daqueles filmes tipo cabeça do Glauber, Bergman, Antonioni, Fellini, Saura, Woody Allen ou Orson Welles. Sábado passado escolhi Sex and the City: o Filme, num cine de shopping.

Já conhecia as quatro balzacas chiques e suas histórias nova-iorquinas, do famoso seriado da televisão. Sabia mais ou menos o que me esperava. Entrei consciente e feliz. Nova Iorque segue como a grande personagem do cinema norte-americano, Woody Allen que o diga, com um jazz básico ao fundo.

Se dessem um Oscar de melhor atriz para Nova Iorque, provavelmente ela pediria que trouxessem a estatueta da Califórnia e a entregassem no domingo de manhã, às onze e meia, no brunch do Hotel Plaza.

Não tem pra ninguém mesmo: a Big Apple é o centro e a síntese do mundo atual. Moda, comportamento, idéias, política, gastronomia, grana alta, turismo, é tudo lá. O filme se divide entre frivolidades e seriedades, como costuma acontecer nas boas comédias românticas americanas.

É filme para sábado à noite mesmo, quando a maioria de nós está com a cabeça e outras partes do corpo lotadas de preocupações, cansaços e necessitando de um entretenimentozinho simpático que traga bom humor e uma mensagem light para a vida.

E daí que o filme é meio superficial? E daí que é feminista demais e trata os homens daquele jeito? E daí que a grana e as grifes roubam as cenas e brilham mais do que os olhos da Sarah Jessica Parker?

Nada contra profundidades shakesperianas, mergulhos bergmanianos abissais nas almas ou arrastados dramas de filmes iranianos, que a gente pode assistir numa quarta-feira de noite, na Casa de Cultura Mario Quintana ou no Guion.

Tudo vale, tudo tem sua hora. Sex and the City nos mostra, como disse alguém, que a vida é uma graça triste, mas que pode até ter final feliz.

Mostra que para se casar bem ou estar em paz num domingo de noite não é preciso usar Prada, roupa de cinco mil dólares ou jóia de dois mil euros.

O mundo é isso aí mesmo: todo mundo querendo ser magro, famoso, elegante, fashion, podre de rico e acompanhado, claro, de muitos piolhos de rico. Os piolhos, de preferência, também devem vestir grifes, para combinar.

Piolho fashion, mas sucinto, para não roubar a cena dos riquinhos. Finalizo com o saber leve-profundo do grande pensador social Ibrahim Sued: panteras e panterinhas, ademã que eu vou em frente, tomar umas champanhotas, que cavalo não desce escada, de leve, sorry periferia...

Jaime Cimenti - Ótima segunda-feira e uma excelente semana, esta que dá início a julho/2008 e finda o mês de junho


AYAAN, A INSUBMISSA

Querem matar Ayaan Hirsi Ali, que falará, hoje, em Porto Alegre, no ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento. O seu crime é denunciar o obscurantismo do Islã.

Ela já foi acusada de tudo um pouco, inclusive de fundamentalista da emancipação. A sua argumentação é límpida: uma religião tribal não pode reger a vida moderna.

A crítica mais contundente que ela faz ao islamismo diz respeito à condição da mulher, mantida em cativeiro doméstico, ignorante e submissa, para não tentar os homens, que não são educados para o autocontrole das suas pulsões.

No seu livro 'A Virgem na Jaula', cujo lançamento acontecerá nesta segunda-feira, Ayaan Hirsi Ali descreve em detalhes uma das mais bárbaras e violentas mutilações praticadas contra as mulheres, a excisão do clitóris.

Fragmento do horror: 'A circuncisão feminina é de longe o método mais brutal de preservação da virgindade. O processo envolve a ablação do clitóris e dos lábios maiores e menores, bem como a raspagem das paredes da vagina com um objeto afiado – um caco de vidro, lâmina de barbear ou faca de cozinha.

Em seguida, as pernas são atadas até que as paredes vaginais cicatrizem e se fechem. Isso ocorre em mais de 30 países, incluindo o Egito, a Somália e o Sudão. Embora não prescrito pelo Alcorão, esse costume de origem tribal tornou-se quase uma obrigação religiosa para aqueles muçulmanos que não podem dispensar suas meninas do trabalho fora de casa, e como tal é defendido.

Seus defensores argumentam que a circuncisão das mulheres existia antes e durante a vida de Maomé, não tendo sido explicitamente proibida pelo profeta. A assim chamada infibulação (literalmente 'sutura') serve como um selo de garantia das mulheres e é realizada sob os olhares vigilantes de mães, tias, avós e outras guardiãs femininas'. É o império dos machos.

As mulheres assimilam esse adestramento e passam a defendê-lo. Mesmo quando se mudam para a Europa, muitas delas buscam nessa marca de submissão um sinal de identidade cultural.

A conclusão é clara: nem toda diferença cultural é passível de defesa. No caso da condição da mulher no mundo islâmico, o que se tem é pura e simplesmente opressão e machismo.

Ayaan Hirsi Ali denuncia a origem de tudo isso: 'Muitos muçulmanos se recusam a atribuir a responsabilidade por sua miséria à própria comunidade ou à moral sexual imposta pela sua religião.

Em vez disso, preferem culpar Alá, o demônio ou outras formas externas, como os judeus, os americanos ou o colonialismo. Os muçulmanos não reconhecem que, de fato, a busca por uma vida baseada em seu próprio livro sagrado é a maior fonte de sua infelicidade'.

Essa discussão pode até parecer absurda no Brasil, mas é essencial no mundo atual. Ayaan Hirsi Ali é o novo Voltaire. Ataca impiedosamente uma cultura assentada sobre as idéias de honra e vergonha, que, para não perceber a sua falácia, transforma a mentira em estratégia cotidiana.

Tudo isso tem um nome: atraso. O Ocidente, bem entendido, tem as suas formas de barbárie e os seus preconceitos. Não se avançará, porém, fazendo um jogo de soma zero em que um mundo respeitará a ignorância do outro como valores intocáveis.

Ayaan Hirsi Ali não quer o fim da religiões. Deseja apenas a separação entre religião e Estado e que a emancipação individual chegue ao Islã, inclusive para as mulheres. Quer luzes.

juremir@correiodopovo.com.br


30 de junho de 2008
N° 15648 - Paulo Sant'ana


Um Gre-Nal medíocre

O Grêmio escapou da sua mediocridade por uma clarividência do bandeirinha. Todos no estádio viram que Renan agrediu Rodrigo Mendes com um chute, mas essas faltas são corriqueiras no futebol. Ninguém no estádio acreditava que o juiz fosse cobrar.

Aliás, não foi o juiz que viu. O árbitro socorreu-se do bandeirinha, que inacreditavelmente relatou o pênalti que redundou também na expulsão de Renan.

Foi um prêmio inesperado à ruindade do Grêmio. O estádio lotou porque todos foram levados ao Olímpico pela excelente campanha do Grêmio no Brasileirão.

No entanto, viu-se ontem no Gre-Nal que é enganoso o segundo lugar do Grêmio no certame: o time não tem recursos e isso depõe até a favor de seu treinador, não se sabe como o Grêmio ostenta esta colocação com um elenco tão precário.

O Grêmio praticamente não deu qualquer chute ao gol do Internacional em todo o jogo, foi dramaticamente inofensivo. E o Internacional foi um pouco menos inferior do que o Grêmio, mercê da presença em campo do Nilmar, o único jogador diferenciado entre os 22.

Sorte do Grêmio, há muito tempo que o clube não tinha tanta sorte. Mas vai ter de reforçar o seu time para não cair ali adiante para as colocações mais perigosas da tabela.

O bandeirinha salvou a ruindade do Grêmio.

Quase não acredito que eu tenha atravessado exatamente a metade do século passado assistindo a mais de uma centena de Gre-Nais, na Baixada, nos Eucaliptos, no Olímpico, no Beira-Rio e até um Gre-Nal que me lembro vi em Santa Cruz do Sul, e esteja agora, no limiar do outro século, me pondo ainda nervoso para ver este Gre-Nal do Brasileirão de 2008.

Que estranha paixão essa que me arrasta há quase 60 anos para ver este clássico. Que volúpia futebolística arranca de São Paulo o meu neto Gabriel Wainer, de 16 anos, embarca-o num avião e se encontra comigo ansioso para eu levá-lo até o Olímpico e ver o Gre-Nal de ontem?

Como é que esse amor por um clube e pelo futebol se transmite de geração em geração, para os meus filhos e agora para os meus netos, parecendo arremessar-se para a eternidade?

Daqui a 400 anos ainda haverá Gre-Nais, tenho certeza, esta chama imortal não se apagará jamais, Porto Alegre será uma megalópole, cortada por altos, imensos e sofisticados viadutos e por redes intrincadas de metrôs nos túneis, salpicada em todos os seus trajetos de homens e mulheres desvestindo-se de seus trajes modernos e arrojados e envergando prosaicas camisetas azuis e vermelhas, dirigindo-se para o estádio com seus veículos aéreos individuais.

O céu da cidade sendo varado por espaçonaves que vão se arremessar até miniaeroportos próximos do local do jogo, onde estacionarão para ver um clássico que nasceu em 1909 e tinha em sua origem os estádios cercados por palanques onde se amarravam os cavalos, as charretes, as carroças e até as carretas dos que corriam para os poleiros ao redor do campo.

O Gre-Nal vai atravessar os séculos com sua paixão, eu já atravessei de um a outro século com a minha paixão e a transmiti ao meu neto, que foi comigo ao Gre-Nal de ontem.

Daqui a 50 anos, este neto que levei ontem ao Olímpico estará conduzindo a um estádio o seu próprio neto, recordando que seu avô foi quem lhe inculcou o amor pelo Grêmio e pelo futebol.

O Gre-Nal será eterno como as estrelas. Enquanto o sol brilhar todas as manhãs, essa disputa empolgante de rivalidade continuará a inundar os corações dos pósteros.

Desde que entrei fantasiado de Papai Noel no célebre Gre-Nal de dezembro de 1961 nos Eucaliptos, desde antes, quantas e quantas semanas de Gre-Nais foram vividas com tensão, nervosismo e ansiedade, à espera daquele instante mágico em que o juiz trilava o apito e as nossas intensas emoções eram desfiadas durante 90 minutos.

Quantas e quantas vezes nos arrebatamos de alegria ou nos despedaçamos de amargura assistindo a este clássico que para nós tem importância maior do que a Copa do Mundo, isto é inexplicável, como é que um simples jogo de futebol temperou e decidiu nossas vidas, quem foi que criou essa rivalidade, quem foi que nos dividiu entre essas duas tribos e nos separou entre os homens, como se tivéssemos sido plasmados por barros diferenciados?

Foi-se ontem mais um Gre-Nal , mas virão outros. E entre um e outro se sucederão as flautas, os desafios, as brincadeiras, as apostas.

O Gre-Nal é inseparável do nosso cotidiano, do nosso humor, do nosso destino e das nossas vidas.

É o maior acontecimento das nossas vidas. É uma atração para as nossas vidas, que seriam muito mais pobres e insossas sem ele. Por 90 minutos, ontem, curtimos a eternidade do Gre-Nal.


30 de junho de 2008
N° 15648 Luis Fernando Verissimo


As legiões

Existe uma coisa chamada lógica enganosa, um pensamento que parece perfeitamente razoável até se revelar que não é. Por exemplo, dois-pontos. As Forças Armadas existem para proteger a nação dos seus inimigos.

Os maiores inimigos da nação, hoje, são os criminosos bem armados que dominam boa parte do seu território e são uma ameaça constante aos seus cidadãos.

Os meios convencionais de combater esses inimigos não funcionam. A criminalidade aumenta, a nação se sente indefesa. A solução? Mandar as Forças Armadas saírem dos quartéis e usarem suas armas, hoje de uso exclusivo das forças bandidas, para combater o crime. Mobilizar esta força ociosa para que cumpra seu papel de defender a pátria.

O silogismo é falso e perigoso, como se viu na recente experiência carioca. Exército agindo contra o crime não acaba com o crime e corre o risco de corromper o Exército. Exército na rua para manter a ordem está a poucos passos de estar na rua para impor exceção e arbítrio.

O Brasil é um dos raros países do mundo que não seguiu o exemplo da Roma antiga, onde as legiões eram aquarteladas longe da cidade justamente para prevenir a tentação de usá-las a qualquer pretexto - não que isso as tenha impedido de muito intervir na vida civil dos romanos.

O fato de os quartéis brasileiros estarem geralmente dentro de perímetros urbanos só aguça a lógica enganosa, pois realça a inutilidade de uma força militar dedicada aos seus rituais internos e à preparação para guerras hipotéticas enquanto na rua em frente, ou no morro atrás, o crime corre solto e o inimigo toma conta.

Fica difícil convencer as pessoas de que esse aparente contra-senso é preferível a transformar militar em polícia. Que é melhor para nossa saúde cívica as legiões ficarem longe de Roma, metaforicamente falando.

Com o tempo

Com o tempo, ou nos transformamos nos nossos pais ou nas pessoas sobre as quais eles nos preveniam.

Há pessoas que, com o tempo, acrescentam outra. O rosto fica mais carnudo, a cintura se expande, tudo engrossa: incorporam um estranho. Com outras acontece o contrário: perdem um outro inteiro. (Jô Soares, há muito tempo, depois de fazer dieta: "Perdi um Wilson Grey").

Deve ser parte do tão falado amor da natureza ao equilíbrio, nada aumentar aqui que não diminuiu em outro lugar. E há um certo consolo em pensar que a sua barriga pode ser a barriga enjeitada de outro.

E quando chegar a hora de aproveitarmos toda a experiência que acumulamos com o tempo, não teremos mais a energia. Será algo como amontoar tanta coisa no lombo de um burro que ele não consegue sair do lugar.

(Da série "Poesia numa hora destas?!)

O espetáculo das paixões humanas não muda,
muda o nosso ângulo de visão:
o que antes era voyeurismo,
hoje é contemplação.

domingo, 29 de junho de 2008


DIOGO BERCITO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


Conceitos de liderança são explicados com histórias

Em julho, deverá chegar às livrarias pela editora Thomas Nelson o livro "Os 4 Segredos do Sucesso", obra a que a Folha teve acesso com exclusividade.

O autor, John C. Maxwell, já escreveu mais de 50 livros, a maioria sobre liderança, e lançou best-sellers como "O Livro de Ouro da Liderança" e "Você Nasceu para Liderar".
O título "Os 4 Segredos do Sucesso" é a reunião de quatro livros de Maxwell já publicados pela editora Mundo Cristão:
"Segredos da Liderança",
"Segredos da Capacitação",
"Segredos do Relacionamento"
e "Segredos da Atitude".

Comprado individualmente na edição anterior, cada um dos livros custa R$ 19,90. A nova edição sai por R$ 29,90.

Histórias de sucesso

No texto, são freqüentes os casos relatados para exemplificar os conceitos explanados -liderança, capacitação, relacionamento e atitude.

No primeiro capítulo, por exemplo, o leitor é apresentado a dois irmãos que abrem um restaurante na década de 1930 nos Estados Unidos. Só mais adiante eles têm suas identidades reveladas -são os irmãos McDonald.

O caso de Dick e Maurice McDonald, porém, exemplifica como líderes pouco capazes limitam o potencial de uma empreitada. Afinal, foi só com a entrada de Ray Kroc, o verdadeiro líder da história do restaurante, que o empreendimento realmente alcançou o sucesso, na década de 1960.

Entre os demais relatos estão o do presidente Theodore Roosevelt e o de Walt Disney -personagens que são parte do imaginário do norte-americano.

O livro, em geral, é direcionado a esse leitor -ao qual o autor se dirige quando afirma que "nós, os norte-americanos, especialmente, adoramos pioneiros, indivíduos ousados, pessoas que lutam sozinhas".

Mas Maxwell pondera que "nenhum indivíduo sozinho fez alguma coisa que realmente tenha valor".

Os 4 Segredos do Sucesso
JOHN C. MAXWELL
Editora: Thomas Nelson;
Quanto: R$ 29,90 (264 págs.)

Bem a Globo continua com problemas no seu site de hospedagem, vez que não está conseguindo desde ontem fazer aparecer as figurinhas ai do lado - Questionada a Central de Relacionamento dizem que os técnicos estão trabalhando para voltar a normalidade o mais breve possível.

Das duas uma: Ou o problema é efetivamente muito sério ou os técnicos não estão tendo o know-how necessário para este tipo de problema. Enfim torcer para que isso se restabeleça o mais breve é o que podemos fazer agora e pedir desculpas por este transtorno.

DANUZA LEÃO

A simplicidade da vida

Apenas vivem, satisfeitas com o que têm, sem desejos maiores, achando, talvez sabendo, que a vida é simples

GOSTO MUITO de ir a restaurantes sozinha, sobretudo quando estou fora do Brasil, e ficar olhando as pessoas. Há uns tempos fui a um, e numa mesa perto da minha dois casais almoçavam.

Um era jovem, o outro bem mais velho. Comeram bastante, com prazer, falaram bastante sobre a comida e o vinho, e quando o almoço terminou, a mais velha botou o cotovelo na mesa, e apoiou a cabeça na mão, perfeitamente à vontade.

Via-se que ela devia ter sido bonita, mas não muito; ele era daqueles homens que não ficaram feios: nasceram feios. Meio gordo, nariz enorme, careca, de óculos, até a mãe deve ter levado um susto quando ele nasceu.

Não paravam de conversar, e uma hora ela encostou a cabeça no peito dele, e fechou os olhos; ele passou o braço em volta do ombro dela e continuou conversando com o casal.

Foram gestos naturais, que provavelmente aconteciam com freqüência, e dava para ver como eles se sentia confortáveis, juntos. O almoço acabou, pediram a conta e saíram naturalmente, sem mãos dadas, sem abraços, nada. Tudo normal. E fiquei pensando em como devia ser bom aquele casamento.

Não é qualquer mulher que tem a naturalidade de encostar a cabeça no peito do marido, e também não é qualquer homem que responde ao gesto passando automaticamente o braço em volta do ombro da mulher, sabendo que é isso que ela está querendo.

Era uma intimidade -via-se- que vinha de anos, uma intimidade dos corpos, e duvido que algum dia eles, que pareciam pessoas simples, tivessem discutido a relação. A vida deles devia ser boa, sem complicações, sem ciúmes, e viajei, pensando em como seria.
Eles deviam morar nos arredores de Paris, numa casa pequena, com um pequeno quintal, onde talvez houvesse algumas galinhas.

Não liam jornal e depois do jantar -ela devia ser uma ótima cozinheira- viam um pouco de televisão, só um pouco, pois dormiam cedo. Ela subia primeiro -a casa, pequena, era de dois andares-, e quando ele chegasse ela já estaria debaixo do edredon, talvez já dormindo.

Mas mesmo assim, a memória do seu corpo fazia com que ela se aconchegasse a ele, e assim dormiriam, sem preocupações, sabendo que o dia seguinte seria igual ao da véspera, e que em alguns domingos fariam alguma coisa de mais extraordinária, tipo ir almoçar fora com um casal amigo.

E por falar em amigo, via-se que eles eram amigos; que podiam contar com o outro em qualquer circunstância, e essa é a melhor certeza do mundo. Ter um companheiro que é também amigo.

Fiquei pensando: será que eles sabiam o quanto eram felizes? Penso que não. Quem é feliz não pensa nessas coisas de felicidade;

apenas vivem, satisfeitas com o que têm, sem desejos maiores, achando, talvez sabendo, que a vida é simples, e que quem sabe disso não precisa de nada além do que tem, e ficariam muito espantados se soubessem como é a vida de tanta gente, querendo coisas, desejando sempre mais, no fundo por não terem o essencial.

Como a vida pode ser simples; como a vida pode ser complicada. E tive a impressão de que eles eram felizes porque nunca pararam para pensar nisso.
danuza.leao@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Dona Marisa tá com a asa baleada!

Ela não caiu, ela fugiu da cama. Porque duro não é dormir com o Lula, o duro é acordar com ele!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Ai, que inveja da Gisele! Ela não precisa encolher a barriga na hora de transar! E a piada pronta da semana: sabe onde fica a casa do Rubinho em Algarve, Portugal? Travessa da avenida Ayrton Senna, NÚMERO 2!

E essa: "Turistas assaltados na praça dos Três Poderes". Polícia alega que o local é isolado. Isolado é mesmo: nunca aparece ninguém.

E a Dercy fez 101 anos! Só?! Ou seja, quando o primeiro japonês chegou ao Brasil, ela já tinha um ano! Rarará! E o engraçado é o que o avô era coveiro. Se dependesse dela, o avô morria de fome. E a "Playboy" devia fazer uma edição especial pro aniversário da Dercy: PLAYLANCA!

E o Maluf mudou de novo o título da sua autobiografia. Não se chama mais "Ele". Por sugestão dos advogados, agora se chama "NÃO FOI ELE". Rarará!

E a dona Marisa caiu da cama! E faturou a cravícula! Ela não caiu, ela fugiu da cama. Porque o duro não é dormir com o Lula, o duro é acordar com o Lula! Ele que bebe e ela que cai da cama? E um leitor me disse que agora a dona Marisa tá igual ao governo Lula: com a asa baleada.

Mas eu tenho duas sugestões: cama de bebê com gradinha. Ou então ela bota mais botox. Pra amortecer a queda! Rarará! Dona Marisa fratura o botox! E o Brasil é um país tão católico que até a gasolina é batizada.

Tão botando tanto álcool que motorista vai virar alcoólatra passivo. E a Toyota acabou lançando um Corolla ecológico. Bota um monte de vaca puxando, vira carro de boi: Toyota COWROLLA!

E olha o adesivo que eu vi numa Brasília: "Tá com pressa? Eu também tô! Só que essa porra não anda".

E deu no caderno Esporte: Viagra entra no antidoping. Os atletas tão tomando Viagra. Pra sair com traveco? Rarará. Pra salto com vara! E pra comemorar gol!

Se atiram um em cima do outro, parecendo almondêga! Almôndega erótica! E sabe por que o Dunga não toma Viagra? Porque já é cabeça dura!

E diz que Viagra de japonês é AJINOMORTO! Rarará. É mole? É mole, mas sobe! OU como diz o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! E atenção. Cartilha do Lula. Mais dois verbetes pro óbvio lulante.

"Fatura": é quando a companheira Marisa quebra uma clavícula. "Duplicata": é quando a companheira Marisa quebra DUAS clavículas.

Rarará. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E quem fica parado é poste!

simao@uol.com.br

Editorial Folha 29/06/08

Menos crescimento

A escalada dos preços dos bens primários poderá provocar uma redução mais intensa e longa do crescimento global.

O MOVIMENTO de alta dos preços internacionais dos produtos primários prosseguiu nas últimas semanas, agravando as pressões sobre a inflação em todo o globo.

A cotação do petróleo chegou à vizinhança de US$ 140 por barril. Foram anunciados novos aumentos pronunciados de insumos, com destaque para o minério de ferro. E as cotações de vários alimentos -sob o impacto, entre outros fatores, das enchentes em importantes regiões produtoras dos EUA- voltaram a repicar com força.

Continua intenso, e inconclusivo, o debate acerca das forças que têm impulsionado esse movimento febril dos preços dos produtos primários.

Alguns enfatizam o aumento da demanda, outros o nível reduzido dos estoques e perturbações que prejudicam a oferta de vários produtos. E uma proporção crescente dos analistas vê a influência da busca, por parte de grandes investidores, de alternativas de aplicação financeira ante o enfraquecimento do dólar e o nível reduzido dos juros básicos dos EUA.

Independentemente de suas causas efetivas -que muito provavelmente abarcam doses variadas dos fatores citados-, a nova rodada de alta das cotações das principais commodities provocou uma piora adicional das perspectivas para a inflação.

E isso vem resultando numa percepção cada vez mais difundida de que, em nível global, o crescimento da atividade econômica deverá desacelerar de maneira mais intensa, e talvez por um período mais prolongado, do que até há pouco se esperava.

Os bancos centrais dos países emergentes já há algum tempo vêm aumentando suas taxas de juros visando a moderar a inflação. O Banco Central Europeu dá mostras de que cogita segui-los, talvez logo. A autoridade monetária que mais reluta em pisar no freio é, compreensivelmente, a dos Estados Unidos.

Até o final de abril o Federal Reserve (Fed) vinha promovendo sucessivos cortes agressivos de juros para amenizar a crise no mercado de hipotecas de alto risco e a fragilização dos bancos e seguradoras a ela associada.

Em sua reunião de quarta-feira passada, o Fed, reconhecendo o agravamento dos riscos pelo lado da inflação, interrompeu os cortes. Mas, constrangido pelo receio de reacender as desconfianças quanto à solidez dos bancos, ele evitou sinalizar que pretende aumentar os juros em breve.

A redução do raio de manobra das autoridades econômicas dos EUA é evidente. Mas, no Brasil, em comparação a um passado relativamente recente, observa-se o inverso.

A redução da vulnerabilidade das contas externas tem permitido ao país enfrentar as novas intempéries globais sem sobressaltos dramáticos. Mesmo que essas intempéries se prolonguem, cabe esperar uma moderação, mas não uma interrupção, do crescimento.

CLÓVIS ROSSI

A perpetuação da lenda

SÃO PAULO - Pesquisa recentíssima do Ipea recolocou em circulação no noticiário a lenda da queda da desigualdade.

Caiu apenas a desigualdade nos salários. Como informa o próprio Ipea, o índice divulgado dias atrás só mede a renda dos ocupados, que inclui os salários, aposentadorias e benefícios de programas de transferência de renda. Mas -atenção, crédulos- juros, lucros e renda da terra, por exemplo, não entram nessa conta.

Portanto, não dá nem para dizer que caiu a diferença de renda entre os assalariados. Afinal, é lógico supor que os mais bem remunerados, embora tenham perdido no salário, ganharam juros de suas aplicações financeiras, mesmo que seja uma modesta poupança. Já os de baixa renda, que viram seu salário aumentar, não têm, em geral, sobra para aplicar em instrumentos financeiros de qualquer raça.

A imperdível coluna "Mercado Aberto" desta Folha já mostrou avaliação de Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, que acaba de concluir pesquisa a respeito.

Dedecca confirma o que já foi dito repetidamente aqui: não há redução de desigualdade, porque só entram nas contas que a revelariam os ganhos salariais e com a rede de proteção social, como Bolsa Família e aposentadoria.

Tais números equivalem a só 40% do PIB.
Não entra, portanto, "a renda com ganho de capital das classes A e B, à qual os pesquisadores não têm acesso".

Pesquisadores do próprio Ipea já calcularam em 90% a omissão de dados sobre ganhos de capital na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, mãe da lenda sobre queda da desigualdade.

Se Marcio Pochmann, presidente do Ipea, diz que o Brasil é "primitivo", mesmo com a queda apontada na desigualdade de salários, como qualificá-lo quando se verifica que não há queda na obscena desigualdade de renda?


Sistema financeiro azedo

Depois das crises da dívida externa, em 1982, a da poupança e empréstimos nos EUA, no final dos anos 80, e da asiática, em 1997, a do subprime é a quarta mais importante no período pós-II Guerra Mundial e, de longe, a maior.

Conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI), as perdas totais de dívidas não-recuperáveis nos balanços gerais serão de quase US$ 1 trilhão em nível mundial, e as instituições financeiras norte-americanas apresentarão a fatia mais gorda. Como valor de mercado de todas as instituições financeiras dos EUA é de aproximadamente US$ 1,2 trilhão, a cifra é colossal.

Por que as crises bancárias acontecem? A resposta está na combinação de um mau sistema de contabilidade e vários efeitos de risco moral que não são contidos pelas atuais normas regulatórias.

O sistema de contabilidade ineficiente é o Padrão Internacional de Contabilidade (IFRS, na sigla em inglês), usado por grandes empresas no mundo. O defeito do IFRS é que não suaviza o contágio sistêmico resultante da volatilidade dos preços dos ativos.

Quando esses oscilam, as companhias são obrigadas a reavaliá-los em seus balanços a cada trimestre. Relatórios regulares de ganhos e perdas de capitais não-realizados incentivam a volatilidade das ações da empresa, enviando ondas de choque pelo sistema financeiro.

Uma opção seria um sistema preventivo, como o usado por empresas alemãs antes da transição para o IFRS. No sistema tradicional alemão, os ativos eram avaliados pelo "princípio do menor valor": para efeitos contábeis, eram usados o valor histórico mais baixo de um ativo e seu preço de mercado corrente. Isso permitia aos administradores buscar metas mais a longo prazo, e provou-se eficiente para bloquear efeitos de contágio. De fato, essa foi uma das principais razões da estabilidade do sistema financeiro alemão.

Na crise atual, três efeitos do risco moral são importantes. Primeiro, a remuneração dos gerentes depende demais do desempenho do preço das ações a curto prazo - provavelmente devido à excessiva influência dos bancos de investimento na política dos bancos comerciais.

Como os bancos de investimentos só podem obter altas taxas de rendimento em um mundo com ativos com preços voláteis e metas de desempenho de curto prazo, as empresas pressionam seus gerentes a seguir esse exemplo.

Segundo, a suposição dos bancos sobre riscos excessivos reflete expectativas de que o governo os resgaterá se houver necessidade. O fato de o Bank of England ter ajudado o Northern Rock e o Federal Reserve ter salvo o Bear Stearns com US$ 30 bilhões sugere que estavam certos.

Terceiro, e provavelmente mais importante, o risco moral é resultado das informações assimétricas entre bancos e o quê emprestam. Os bancos emitem títulos com taxa de juro nominal atrativa, mas com probabilidade de pagamento desconhecida. Em geral, títulos são criados com respaldo de portfólios sofisticados que contêm ativos de boa e má qualidade, cujo verdadeiro risco é difícil de mensurar.

Nada impediu que os banqueiros oferecessem títulos de crédito de má qualidade, os limões. Quando mercadorias de baixa qualidade são vendidas a preço igual dos de alta, esses acabam desaparecendo.

Nos mercados de capitais, a assimetria da informação entre compradores e vendedores de títulos é mais extrema, tornando para os bancos tentador emitir papéis que aumentem sua expectativa de ganho.

Para isso, desenvolvem complicadas estruturas jurídicas de cobrança que quase ninguém consegue entender completamente e operam com muito pouco capital líquido para cobrir os riscos. Isso destrói o mercado a favor de instrumentos financeiros sólidos, enfraquecendo a viabilidade do sistema capitalista.

Para encarar esse problema, são necessárias normas bancárias mais rigorosas a fim de aumentar a probabilidade de reembolso e, como conseqüência, a qualidade dos títulos. Produtos financeiros devem ter transparência, operações fora do balanço geral devem ser limitadas e, acima de tudo, é necessário reduzir o alcance das operações de alavancagem exigindo uma proporção maior entre capital e ativo.

Os bancos freqüentemente se opõem a esses aumentos porque o capital de risco é mais caro do que o de dívida. Mas isso ocorre justamente por causa do efeito limão.

*Hans-Werner Sinn é professor de economia e finanças da Universidade de Muniquee presidente do Instituto Ifo

Tradução: Grazielle Badke - HANS-WERNER SINN | Munique

Efeito Limão

Observado por George Akerlof em 1970, o fenômeno tem como exemplo popular o mercado de carros usados, no qual os vendedores sabem se o que oferecem são ou não "limões" (carros velhos), mas os compradores não, sem testá-los.

Como o consumidor não é capaz de avaliar a qualidade do que está adquirindo, o modelo acabará vendido pelo mesmo preço.

sábado, 28 de junho de 2008



29 de junho de 2008
N° 15647 - Martha Medeiros


Compro, logo existo

Uma amiga acabou de chegar de Londres. Adorou, lógico. Mas ela disse que os preços estão um escândalo, uma exorbitância. Pensei: então é pra lá que eu vou.

Explico: eu também cheguei de viagem, estive em Buenos Aires, e os preços por lá estão igualmente um escândalo... de tão baixos! Algum problema nisso? Sim, há um problema nisso.

Óbvio que é sensacional ter transporte público barato (uma viagem de metrô está por cerca de R$ 0,60 e qualquer corrida de táxi dentro dos bairros mais procurados não custa mais do que R$ 5).

Nada como tomar um bom vinho sem ter vontade de chorar quando chega a conta, e comprar um casaco pra vida toda pagando três vezes menos o valor que pagaríamos aqui.

O problema? Já digo.

Quem gosta de viajar, mas gosta mesmo, aproveita seu tempo para caminhar pela cidade, apreciar prédios históricos, conhecer parques, entrar em livrarias, visitar museus e galerias de arte, vasculhar lojas de discos atrás de alguma novidade, jantar bem, ir a espetáculos e tomar um café com calma em algum lugar charmoso enquanto observa os transeuntes. Claro, fazer umas comprinhas também está no roteiro.

O problema, enfim: numa cidade com preços atraentes como Buenos Aires todo o resto (museus, shows, parques, cafés) fica para quando sobrar tempo - no caso de. O objetivo passa a ser comprar. Ir a todos os shoppings. Gastar até o último centavo, trazer tudo o que puder, abandonar-se à compulsão.

Eu, que estou longe de ser uma consumista crônica e me orgulho do meu comedimento, também fiquei impressionada com os preços argentinos. Uma pessoa controlada faz o quê?

Aproveita uma tarde para comprar o que precisa e segue seus dias curtindo o que a cidade tem a oferecer em termos culturais, ambientais, artísticos.

A questão é saber diferenciar o que se precisa e o que não se precisa, e se formos honestos, chegaremos à conclusão de que não precisamos nem da metade do que consumimos.

Eu gosto de bugigangas, e minhas compras em viagem quase sempre se restringem a artigos de papelaria, acessórios (pulseiras, echarpes) e algum artesanato, são os meus suvenires habituais, coisinhas coloridas e inventivas que me fazem lembrar da viagem pra sempre.

Mas se você entra em surto por causa de preço bom, vai encher três malas extras de coisas volumosas que, tudo bem, são baratas, mas que também são encontradas em Porto Alegre, e em Porto Alegre você nem olharia para elas, não importa quanto custassem.

Teve um momento em que me vi dentro de uma loja revirando cabides e me deu um estalo: o que estou fazendo aqui? Que ânsia é essa de "aproveitar" os preços?

Tenho que aproveitar a cidade, o meu tempo livre, a minha companhia, o meu olhar estrangeiro, a minha sede de informação, a minha curiosidade, e não me sobrecarregar de sacolas. É preciso estabelecer uma fronteira entre se apaixonar de verdade por um artigo e se apaixonar por comprar, simplesmente.

Da próxima vez, Londres. É perfeito. Olha-se algumas vitrinas, suspira-se e toca-se em frente até um dos arrebatadores parques da cidade para fazer um belo e barato piquenique.

Consumo consciente: Rui Spohr, preocupado em viabilizar projetos de inclusão social, colocou à venda uma camiseta confeccionada por ele onde se lê a frase: "A sofisticada originalidade do simples".

Quem comprar a camiseta, estará contribuindo para a Instituição Kinder, que presta atendimento educacional a crianças e adolescentes com deficiências múltiplas. Maiores informações no site http://estilistaruispohr.blogspot.com

Excelente domingo, um ótimo início de semana e um Feliz mês de julho.


29 de junho de 2008
N° 15647 - Moacyr Scliar


Arte, álcool, drogas

Lygia Fagundes Telles, grande escritora e grande pessoa, contou-me uma história que é muito significativa. Há anos esteve no Brasil o Nobel de literatura William Faulkner. Ficou alguns dias em São Paulo, onde Lygia encarregou-se de servir-lhe de cicerone. Não foi uma tarefa fácil; Faulkner passou o tempo todo completamente bêbado.

Finalmente, Lygia levou-o ao aeroporto para a viagem de volta. Despediram-se, e o cambaleante Faulkner já ia entrar na sala de embarque quando algo lhe ocorreu. Voltou-se para Lygia e perguntou:

- Como é mesmo o nome dessa cidade onde estive?

Faulkner não foi o único escritor etilista. Apenas para ficar com os americanos, como ele, podemos citar Edgar Allan Poe, Stephen Carne, Jack London, Erma Melville, F. Scott Fitzgerald, Charles Bukovsky, Jack Kerouac e Truman Capote, que, preso por dirigir alcoolizado (pensando bem a recente lei brasileira já veio tarde), foi depois internado em uma clínica especializada, mas continuou bebendo.

No Brasil os exemplos são legião (Lima Barreto, Vinicius de Moraes, Carlinhos de Oliveira), levando o cartunista Jaguar a dizer uma frase famosa e muito típica do Rio de Janeiro: "Intelectual não vai à praia, intelectual bebe".

E depois temos as drogas, cujo uso é muito antigo - o que mudou foi só o tipo de substância usada. Os românticos preferiam o ópio, e no século 19 o inglês Thomas de Quincey escreveu um livro famoso sobre o tema, Confissões de um Opiômano. Também gostava do ópio o poeta Samuel Coleridge. Já o francês Charles Baudelaire preferia o haxixe, que lhe inspirou o agora clássico Paraísos Artificiais.

Com o século 20 chegaram as drogas sintéticas, a começar pelo LSD, que este ano completa seu 70º aniversário. Foi popularizado pelo escritor inglês Aldous Huxley, autor de Doors of Perception (As Portas da Percepção), de onde veio o nome do conjunto The Doors, liderado por Jim Morrison.

O título de uma música dos Beatles, Lucy in the Sky with Diamonds, aludiria, pelas iniciais, ao LSD, ao qual sucederam-se a cocaína, a heroína, o ecstasy.

Por que artistas, poetas e escritores fazem uso de álcool e drogas? A desculpa clássica era de que estavam atrás de substâncias que estimulassem a criatividade. Papo furado.

Na verdade, tratava-se de um mecanismo de fuga. Arte e literatura não são como o trabalho sistemático, rotineiro. Envolvem longos períodos sem produção e isto inevitavelmente se acompanha de uma ansiedade às vezes insuportável. Disse Charles Bukowski:

"Beber faz com que você saia da rotina do dia-a-dia, impede que tudo seja igual, arranca você pra fora do seu corpo e de sua mente." Mas ele não tinha ilusões sobre este escape da rotina: "É uma forma de suicídio, só que pode voltar à vida."

Que vida? Uma vida atormentada, que passa a girar em torno do copo ou da droga. É um beco sem saída, uma loucura, da qual disse o poeta americano Allen Ginsberg, que fazia pesado uso de drogas: "I saw the best minds of my generation destroyed by madness" (eu vi as melhores mentes de minha geração destruídas por drogas).

Jovens artistas: não caiam nessa. Se vocês quiserem se situar no mundo e na vida, não façam como William Faukner. Nem todo mundo pode ter Lygia Fagundes Telles como cicerone.


29 de junho de 2008
N° 15647 - David Coimbra


A penicilina e o Gre-Nal

Em 1909, ainda faltavam 20 anos para Alexander Fleming descobrir a penicilina. Não existiam antibióticos, portanto. Morria-se por causa de qualquer gripe, as bactérias eram inimigos invencíveis como Bruce Lee.

As pessoas faziam os maiores sacrifícios para evitar a "friagem", como dizia a minha avó, incluindo-se aí o uso de galochas e ceroulas e a aplicação de escalda-pés.

Muito a Humanidade padeceu até o advento do antibiótico, mas pelo menos uma obra-prima da literatura mundial pode ser creditada ao atraso da medicina: Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe. O livro é importante como marco do romantismo, e tudo mais, mas você não precisa ler. Digo mais: nem deve. Para o leitor contemporâneo, Os Sofrimentos... é chato.

Não que seja difícil, nem nada. Apenas chato. Até por isso, vou revelar o desfecho: Werther, o jovem esse, os sofrimentos dele são de origem amorosa. Um amor impossível e bibibi. O jovem se apaixona por uma bela moçoila chamada Charlotte, que, como todas as belas moçoilas, já está comprometida.

Tem um noivo lá. Werther dá em cima dela de todas as formas, mas ela nem aí. Depois de dezenas de páginas se lamuriando, ele sai durante uma tempestade sem capa nem guarda-chuva, resfria-se e, pfiu!, morre. De certa forma, um suicídio.

Por amor, suspiraram os românticos do século 18, um século tão sentimental que o romance de Goethe motivou uma onda de suicídios na Europa, o que prova o quanto eram tolinhos os europeus daquela época. Só que, na verdade, não foi de amor que Werther morreu. Foi de gripe.

Hoje em dia seria impossível suicidar-se de gripe. Bastaria uma injeção para salvar o desiludido Werther. Ele se recuperaria, ficaria forte e ativo como um bom alemão comedor de salsicha bock e, seis meses mais tarde, acabaria conhecendo alguém na balada, esqueceria Charlotte e pensaria: e eu quase me matei por causa daquela bisca...

Por essas, esportes ao ar livre não desfrutavam de grande prestígio até o século 20. Não existia isso de praticar esporte para ser saudável.

Ninguém saía correndo de calção e tênis por aí, a menos que estivesse fugindo da polícia ou tentando alcançar o bonde. O futebol, assim, surgiu não como um esporte, mas como um jogo. Aliás, é exatamente essa a minha opinião: futebol não é esporte, é um jogo.

Mas a minha opinião não interessa. O que interessa é que, em Porto Alegre, o futebol surgiu não como uma prática esportiva, e sim como uma brincadeira. Uma curiosidade a respeito: sabe-se o dia exato em que o futebol foi introduzido em Porto Alegre: 7 de setembro de 1903. Até essa data, ninguém jogava futebol na cidade.

O que havia era uma bola, uma única bola de couro que o paulista Cândido Dias ganhara de presente de seus primos de São Paulo. Esta bola, a primeira bola de futebol a quicar em solo porto-alegrense, Cândido Dias e seus amigos a usavam para brincar durante os piqueniques de domingo.

Piquenique era moda, então. Os jovens se reuniam nas inúmeras áreas bucólicas da cidade, comiam acepipes, bebiam vinho, cerveja e refrescos e faziam brincadeirinhas inocentes, entre elas um atirar a bola para o outro, coisa mais amorosa.

Depois do feriado da Independência, as brincadeiras tornaram-se sérias. Naquele dia, o S.C. Rio Grande, clube fundado três anos antes, veio a Porto Alegre para fazer uma apresentação.

Apresentação mesmo, um show, não uma partida. Jogaram Rio Grande versus Rio Grande. Todo mundo era do Rio Grande. Cândido Dias e seus amigos e mais centenas de outros porto-alegrenses foram ver o espetáculo. No meio do jogo, tragédia: a bola furou.

Não havia esse luxo de bola reserva. E agora? Que fazer? Bem, Cândido Dias estava com a sua bola paulista debaixo do braço. Disse que a emprestaria para que o jogo histórico fosse concluído. Com uma condição: que os rio-grandinos os ensinassem a jogar futebol.

Pacto feito, pacto cumprido. Oito dias depois, dois clubes de futebol foram fundados na cidade: o Grêmio e o Fuss-Ball. Ah, e aí está a palavra-chave: "clube". A prática de fundar clubes sociais foi trazida para o Estado pelos imigrantes alemães.

Ainda hoje, os grandes clubes que aí estão foram fundados por alemães ou seus descendentes entre o fim do século 19 e o começo do 20: o Juvenil, a Sogipa, o União, que se chamava (fale sem dar torcicolo na língua): "Ruder Verein Freudechaft"!

Clubes, entende? Constituídos para reunir as pessoas, não para a prática esportiva. Os fundadores geralmente já eram amigos. Natural, pois, que os sócios se permitissem aceitar ou não novos sócios. Aquilo de bola preta e bola branca.

O Grêmio, quando tinha seis anos, vetou alguns novos sócios. Porque eram paulistas e estavam havia pouco na cidade, e porque eram garotos de apenas 17, 18 anos de idade. Os garotos, inconformados com a bola preta recebida, decidiram fundar eles mesmos o seu clube. E o fizeram. E assim nasceu o Inter.

Toda essa história, iniciada lá com a penicilina, conto-a para falar das origens do futebol em Porto Alegre e no Brasil.

O futebol, por aqui, não apareceu por causa do futebol, nem por causa do esporte. Nasceu por causa do clube. Da associação. Por isso, o clube é o centro do futebol no Brasil.

Por isso, torcidas como a do Grêmio e a do Inter sentem mais apreço por seus clubes do que por jogadores ou pelo jogo.

Por isso, o Gre-Nal pouco tem a ver com o futebol. Tem a ver com a paixão, com a cidade, com as gerações de porto-alegrenses e gaúchos que o fizeram. Que o transformaram no maior jogo do mundo.


29 de junho de 2008
N° 15647 - Paulo Sant'ana


Gre-Nal do Bico Seco

Um dia ainda nos arrependeremos de termos extinguido os carroceiros como exterminamos os índios.

Os índios e os carroceiros são o achincalhamento do progresso.

Por sinal, tanto os índios quanto os carroceiros terão sido extintos pelo mesmo motivo: atrapalhavam o trânsito.

Os que elogiosamente se preocupam com os cavalos maltratados pelos carroceiros e por isso querem o extermínio dos carroceiros, saibam que esta civilização e progresso que hoje defendem um dia vão exigir também a extinção dos cavalos.

O que tem impressionado nos últimos dias na Grande Porto Alegre é estarem sendo assassinadas muito mais pessoas dos que as que são saqueadas nos assaltos.

Ou seja, mergulhamos definitivamente num tipo de crime que era característico do Rio e São Paulo: as execuções.

Quando uma pessoa é assaltada e morre, é um fato lamentável, mas que encontra explicação pelo motivo original.

E os que vêm tombando nos últimos dias sem nenhuma explicação, simplesmente porque alguém decidiu que eles tinham de ser eliminados?

No bairro Mário Quintana, em Porto Alegre, em um minimercado, dias atrás, chegaram dois ciclistas e perguntaram: "Quem é o dono do estabelecimento?".

Um homem identificou-se como tal e foi assassinado a tiros pelos dois ciclistas. Ele e seu enteado. Fugiram imediatamente os assassinos.

Mas que motivo teriam os criminosos para essa execução?

Pode ser simplório afirmar que todas essas execuções sejam determinadas pelo tráfico de drogas.

Só se afligem os que agora não podem mais beber álcool nos restaurantes por esta estranha mania humana de misturar simultaneamente os alimentos com as bebidas.

É a hora de nos habituarmos a fazer uma coisa de cada vez: empanturrarmo-nos de comida nos restaurantes, pegar o carro e voltar para casa, onde poderíamos nos embebedar sem limite.

Hoje será um Gre-Nal de um Grêmio com mais time e menos valores.

E de um Internacional com melhores individualidades e pior organização.

O futebol, com sua cultura e progresso, extinguiu dois elementos que eram imprescindíveis a ele: os ponteiros e a cerveja na geral.

Se não me engano, com a proibição de se tomar cerveja nos estádios de futebol, hoje será realizado o primeiro Gre-Nal do Bico Seco de toda a história.

Um juiz de futebol depôs esses dias que, antes de se iniciar um jogo, ele, no círculo central, sente um impressionante cheiro de maconha vindo das arquibancadas.

A cerveja, que não cheira a nada, pagou o pato.

Proibiu-se a bandeira com mastro nos estádios de futebol, proibiu-se a cerveja. Nesta escalada, vão acabar proibindo o cigarro e o impropério.

Mas o futebol é tão entranhado na alma do povo, que acabará resistindo a tudo isso. Enquanto não proibirem o gol.


29 de junho de 2008
N° 15647 - Luis Fernando Verissimo


Disfarces

O anonimato, que para tantos é um martírio, para mim é uma obrigação profissional. Sou crítico de restaurantes. Em mim o paladar e os escrúpulos se mesclam, como a carne e os legumes num bolito misto, e faço questão de não ser reconhecido nos lugares que freqüento e depois recomendo ou destruo.

Uso disfarces tanto para que o dono do restaurante, descobrindo minha identidade, não tente comprar uma boa cotação com favores e porções maiores quanto para que não tente revidar alguma crítica mais rigorosa derramando sopa sobre minha cabeça ou expulsando-me do lugar. Minha integridade repele o suborno e meu amor próprio refuta substâncias muito quentes na nuca.

Os disfarces podem trazer inconvenientes, como a vez em que meu bigode postiço caiu numa blanquette de veau e tive que ingeri-lo, pois a alternativa seria chamar o garçom e perguntar se o chef não tinha dado pela sua falta.

Ou a vez em que usei um nariz feito de material inferior que começou a derreter com as emanações de uma casserole e a pingar na minha gravata, obrigando-me a simular uma crise hemorrágica e fugir do restaurante. Mas são os disfarces que me mantêm honesto e ileso. Ou me mantinham.

Sou criterioso e justo, e costumo voltar a restaurantes que critiquei para lhes dar uma chance de se redimirem. Foi o que fiz com certo estabelecimento que, depois de uma primeira visita, descrevera como sendo algo pretensioso, pois insistia em chamar o que servia de comida, o que de certa forma desculpava a lentidão dos garçons em trazer os pratos, já que eram obviamente movidos pela misericórdia.

Deixei passar alguns meses depois da publicação da minha crítica e fui de novo ao mesmo restaurante, tendo o cuidado de moldar um queixo falso, feito de material resistente ao calor, que com os óculos escuros e as costeletas compridas certamente impediriam meu reconhecimento e atos de retribuição violenta.

O restaurante estava vazio. Minhas críticas são muito lidas e têm grande influência no público, que anseia por alguém que lhes diga o que é bom e o que não é, neste mundo em que as velhas certezas agonizam, o relativismo moral invadiu a gastronomia e tem até pizza de fruta.

Além da minha, à qual fui levado pelo solícito dono do restaurante em pessoa, havia apenas outra mesa ocupada. Por um homem que lia um jornal. E que, quando levantou a cabeça e me viu, exclamou:

- Meu Deus, é ele!

Tenho vários discursos prontos para o caso de ser reconhecido apesar dos meus disfarces. Eles envolvem desde uma ficção sobre irmãos gêmeos - "O crítico de restaurantes é o outro, eu não sei nem a diferença entre rocambole e ratatuille!" -

até uma dissertação sobre a necessidade de parâmetros alimentares numa sociedade carente de valores claros e a importância da crítica, mesmo um pouco impiedosa, neste sentido, enquanto me encaminho, lentamente e andando de lado, para a porta da rua e a fuga. Já tinha escolhido a história dos gêmeos quando o homem da outra mesa começou a espetar o jornal com o dedo e mostrar:

- Olha o retrato falado do bandido que estão procurando. É ele! É ele!

Dei uma risada. Eu, bandido? O retrato falado podia ser de qualquer um. Podia ser do meu irmão gêmeo. Mas eu?!

O homem da outra mesa já estava de pé. Ia chamar a polícia. Disse:

- Com essa cara, com esse queixo, você ainda nega que é bandido?

Descolei o queixo e arranquei os óculos escuros e as costeletas.

- É tudo falso. É disfarce! Está vendo? Sou um crítico de restaurantes. A minha cara verdadeira é esta!

O homem da outra mesa piscou, abriu e fechou a boca, e se sentou. Me sentei também. Olhei em volta. O dono do restaurante tinha desaparecido. Dali a pouco reapareceu. Vinha na minha direção carregando uma panela de sopa quente.

CLÓVIS ROSSI

A Amazônia é nossa. Nós quem?

SÃO PAULO - A Amazônia é nossa e ninguém tasca, já disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para delírio dos patriotas.
Mas quem somos "nós", os donos da Amazônia? Nem o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) sabe, conforme levantamento que o excelente repórter Eduardo Scolese trouxe ontem para a manchete desta Folha.

Mais exatamente: 14% da Amazônia é de "ninguém". Coloquemos um pouco de comparações nessa história: os 14% eqüivalem aos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, juntos, ou ao dobro do tamanho da Alemanha.

O Incra tampouco sabe, relata Scolese, o que está sendo produzido, plantado ou devastado nessas terras públicas da União.
Aí aparece algum "gringo" sem superego e diz que a Amazônia não é só do Brasil, mas do mundo todo, e o "patrioteirismo" sai em busca da jugular do cidadão.

Não faz sentido. Pelos dados agora divulgados, pelo menos 14% da Amazônia já é do "mundo todo" ou de "ninguém", o que, no fundo, dá na mesma. Fora uma porcentagem desconhecida que é propriedade de estrangeiros.

Bravatas sobre a Amazônia podem satisfazer o ego de quem as produz. Mas a região só será "nossa" quando o país demonstrar que nem é terra de ninguém nem é o paraíso das motosserras.

Deu a louca na política no mundo. Olivier Besancenot é o melhor opositor para o presidente Nicolas Sarkozy, diz pesquisa do jornal "Le Figaro". Besancenot vem a ser o líder da Liga Comunista Revolucionária, trotskista, nunca antes eleita neste mundo.

O Partido Trabalhista britânico, do premiê Gordon Brown, ficou em quinto lugar em eleição local. Perdeu até dos neofascistas.

Quinto lugar em um sistema virtualmente bipartidário parece até piada pronta.

crossi@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Alckmin tem cara de sopa de hospital!

E o maior escândalo no Brasil não é mais o caixa dois. É o caixa do supermercado!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Como tem maconheiro, hein?! Vocês viram o relatório da ONU? Já tem 208 milhões de maconheiros no mundo. Por isso que tá tendo aquecimento global. O planeta tá doidão!

E tá mesmo! Se parassem de fumar, o planeta esfriaria. Aliás, sabe o que o planeta falou pros ecologistas? Parem de me encher o saco. Deixem-me morrer em paz! Eu me viro sozinho! Rarará!

Dia Nacional do Politicamente Incorreto! Olha a placa que um amigo viu em Belém do Pará: "Preciza-se de duas prostitutas de bunda grande pra inalguração". Então é analguração. Rarará!

E sabe qual o único efeito colateral da maconha? Quando a polícia chega. E desses 208 milhões de maconheiros, 200 devem estar na Jamaica.

E sabe quantos jamaicanos precisa pra trocar uma lâmpada? Onze. Um pra trocar. E dez pra ficar fumando e vendo a lâmpada rodar. Rarará!

E eu já disse que tem tanto álcool na gasolina que vai ter alcoólatra passivo! E o novo adesivo da Lei Seca do Lula? Seca, pros outros! Rarará. O adesivo é do carro do chargista Erasmo: "Cuidado! Bebeu a Bordo!".

E a Marta Martox? "Marta tem apoio do bloquinho." "Marta fecha com bloquinho." Que bloquinho é esse? O que é que tem no bloquinho da Marta? 9h natação; 11h cabeleireiro; 14h botox; junho parada gay. E diz que a Marta vai construir um novo túnel.

Ligando o cabeleireiro à academia. Rarará. Túnel Belezura! E as pirâmides do Egito? Foi o Maluf que fez! E o Alckmin continua com aquela vibrante cara de degustador de sopa de hospital. Rarará! O Alckmin tem cara de sopa de hospital!

E o maior escândalo no Brasil não é mais o caixa dois nem a Caixa Econômica nem a Nossa Caixa. O maior escândalo para o brasileiro agora é o caixa do supermercado!

É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro, é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês".

Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Marabá, no Pará, tem um forró chamado Enfeza Rola. Parece Dias Gomes! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Ventosa": companheira com gases. Rarará. O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E quem não tiver colírio pode pingar água benta com diabo verde!

simao@uol.com.br

Diogo Mainardi

O flanelinha dos ares

"Em 22 de agosto de 2006, Roberto Teixeira foi recebido no Palácio do Planalto. Perguntei por que a Varig teria pago as suas despesas da viagem a Brasília. Ele respondeu candidamente que ‘aproveitava as idas aos tribunais e passava no Planalto’"

22 de agosto de 2006. Lula está no Palácio do Planalto. Agenda do dia:

12:30 Lakshmi Mittal

15:30 Senadora Chikage Oogi

16:00 Conselho Brasil x Japão

Dá para encaixar um encontro com Roberto Teixeira? Dá. Sempre dá. Roberto Teixeira foi recebido por Lula. Segundo ele, tratou-se de uma mera visita de cortesia. Nada a ver com seu trabalho para a Varig. Nesse caso, porém, por que é que a Varig teria pago as suas despesas da viagem a Brasília?

Foi o que eu perguntei a Roberto Teixeira, por meio de sua assessoria de imprensa. Ele respondeu candidamente que "aproveitava as idas aos tribunais e passava no Planalto". Isto mesmo: a Varig pode ter bancado seu encontro com Lula, mas o propósito da viagem era outro.

Denise Abreu, no dia de seu depoimento, entregou ao Senado Federal uma mala abarrotada de documentos. Estou com cópias de alguns deles na minha frente. Referem-se às duas semanas que antecederam o encontro de Roberto Teixeira com Lula, no Palácio do Planalto.

Em 10 de agosto, a Anac decidiu cancelar os "hotrans" e os "slots" da Varig. No dia seguinte, esse cancelamento foi comunicado oficialmente a Cristiano Martins, genro de Roberto Teixeira.

Os "hotrans" e os "slots" da Varig em Congonhas eram o que a companhia aérea tinha de mais valioso. Em torno deles, desencadeou-se uma batalha. De um lado, a Anac. Do outro, Roberto Teixeira e o Palácio do Planalto. "Hotrans" e "slots" correspondem às vagas nos aeroportos. Roberto Teixeira brigou pela posse dessas vagas, como um flanelinha dos ares.

Em 16 de agosto, Cristiano Martins remeteu à Anac o plano de negócios da empresa, que incluía "hotrans" e "slots". Em 17 de agosto, Valeska Teixeira protocolou na Anac um pedido de registro da companhia.

Nesse período, ocorreu aquilo que, na diretoria da Anac, se tornou conhecido como Dia do Bife: um encontro de mais de oito horas, no Palácio do Planalto, coordenado pela secretária executiva de Dilma Rousseff, Erenice Guerra. Ela pressionou para que a Anac concedesse imediatamente um certificado homologando a Varig.

O coronel Jorge Velozo usou a imagem do cozimento de um bife para ilustrar a impossibilidade de queimar etapas a fim de acelerar o processo. Longe do microfone, o coronel Jorge Velozo confirma os detalhes intimidatórios do Dia do Bife. Eu testemunhei isso. Perto do microfone, ele é muito mais acanhado.

Em 22 de agosto, a Anac se reuniu para determinar a abertura do processo licitatório dos "hotrans" e dos "slots" da Varig. No mesmo dia, Roberto Teixeira deu um pulinho no Palácio do Planalto, para se encontrar com Lula. O que aconteceu depois disso?

O juiz Luiz Roberto Ayoub acolheu um recurso apresentado pelo compadre do presidente e desautorizou a Anac, alegando a necessidade de dar um "tratamento excepcional" à Varig.

Em 24 de agosto, ele mandou intimar toda a diretoria da Anac. O flanelinha dos ares garantiu suas vagas em Congonhas. Honorários: 5 milhões de dólares.

Ponto de vista: Claudio de Moura Castro

O Senai na mira do governo

"É um risco trocar um operador historicamente bem-sucedido pela ingerência de outro com folha corrida muito mais incerta. Arriscamo-nos a passar de cavalo para burro"

Ilustração Atômica Studio

Depois de conhecerem o Senai em São Paulo, diretores de escolas de formação profissional da Alemanha mencionaram em seus relatórios que não seria apropriado oferecer cooperação técnica às escolas visitadas.

No máximo, poderiam trocar experiências. Em minha passagem pela OIT e pelo Banco Mundial, o Senai era sempre citado como o exemplo mais eloqüente de boa formação profissional em país do Terceiro Mundo. Visitei dezenas de suas escolas e somente nos doutorados o Brasil oferece qualidade equivalente.

Nos dias que correm, duelam o governo e o Senai. Mais uma tentativa de estatização? Ou de arrancar uma lasca do seu orçamento? O MEC quer ensinar ao "Sistema S" como operar suas escolas?

Como as propostas não são escritas, fica tudo meio no ar. Disputa de poder com sindicatos patronais? Exumação tardia das controvérsias entre soluções privadas e públicas? Talvez os fatos iluminem as batalhas políticas e ideológicas.

Afirma-se que o "Sistema S" não deveria cobrar dos técnicos (o que ocorre em alguns estados), e sim oferecer-lhes ensino gratuito, uma vez que recebe verbas públicas. Esse argumento é tolo. Justificadamente, para poder oferecer mais cursos, o sistema passou a cobrar das empresas e de alunos capazes de pagar.

Mas usa todo o tributo compulsório para oferecer cursos gratuitos ou subsidiados a 1,1 milhão de operários. Comprometidos os recursos, não há como oferecer mais gratuidade. Para cada técnico dispensado de cobrança seria necessário tirar vários operários do sistema.

Um argumento politicamente explosivo é o de que as federações surripiam recursos do Senai, permitindo-se mordomias espantosas. Tal promiscuidade é injustificável.

Felizmente, os gastos do Senai são rotineiramente examinados pelo Tribunal de Contas da União e pelos órgãos estaduais correspondentes. Como nos últimos cinco anos não foram impugnados vazamentos para federações, se eles existem, a falha é dos tribunais.

A guerra dos números ainda não tem vencedores. O Senai é acusado pelo MEC de ser mais caro (por aluno/hora) que os técnicos e universidades federais. Dados do Senai revelam equívocos nas estimativas do MEC que, quando corrigidos, mostram o Senai menos caro, mesmo sem incluir os aposentados do MEC (que, para economistas, são um custo inalienável).

Ainda assim, o Senai ofereceu no ano passado 100 000 atendimentos às empresas, faz pesquisa aplicada, patenteia e mantém equipamentos de última geração em suas escolas.

O MEC propõe criar um fundo com o orçamento do "Sistema S" para ser distribuído de acordo com os méritos de cada curso, medidos por testes que vai preparar. Na teoria, parece interessante (aliás, por que o governo não aplica o sistema antes em suas próprias universidades e com seus próprios técnicos e tecnólogos? Ou no FAT?).

Na prática, há cursos profissionalizantes para centenas de ocupações, cada um podendo ser oferecido em diversos níveis. Não há como o MEC realizar 2 milhões de testes profissionais em oficinas, sobretudo porque jamais fez algum. Tampouco o Ministério do Trabalho conseguiu fazer certificação ocupacional, depois de trombetear suas intenções por décadas.

Por outro lado, a prática consagrada internacionalmente é avaliar os cursos pela empregabilidade efetiva dos graduados e pelo desempenho nos empregos. Sob tais critérios, o "Sistema S" mostra bons resultados. Mas isso jamais foi praticado pelo MEC, que desconhece o destino dos graduados de suas escolas técnicas e universidades.

Obviamente, o "Sistema S" tem falhas que precisam ser impiedosamente cobradas. O Senai e o Senac acumularam uma sólida reputação, mas são teimosos como mulas e respondem lentamente. O Sebrae é criativo, mas com altos e baixos.

Como o Sesi e o Sesc não oferecem formação profissional, para alguns são uma relíquia do papel paternalista dos empresários no Estado Novo. Por que, por exemplo, seus orçamentos são superiores aos do Senai e do Senac?

É um risco trocar um operador historicamente bem-sucedido pela ingerência de outro com folha corrida muito mais incerta. Arriscamo-nos a passar de cavalo para burro. Mas, se as ameaças servirem para corrigir as falhas do "Sistema S", não terão sido em vão.

Claudio de Moura Castro é economista - Claudio&Moura&Castro@cmcastro.com.br


A nova era dos nômades digitais

Como a tecnologia da mobilidade está mudando nossos hábitos e nosso estilo de vida
Luciana Vicária e Thais Ferreira



O travesseiro da universitária Cibele Lima, de 23 anos, vibra às 6h30 todas as manhãs. E não pára de tremer até que ela aperte uma tecla verde localizada debaixo dele.

O confortável travesseiro de espuma não é a última novidade tecnológica do mercado. Tampouco tem alarme. Mas embaixo dele repousa um despertador especial: seu celular.

Cibele não sabe explicar por que o coloca ali. Diz que se sente bem em tê-lo ao alcance das mãos. “Sinto por ele o mesmo que sentia por minha boneca favorita, que eu costumava levar para o berço”, diz. “Ele me dá segurança.”

O celular de Cibele fica ligado dia e noite. A bateria, segundo ela, acabou no máximo três vezes nos últimos 365 dias. Ficar sem ele é um sacrifício, diz Cibele. Ela ainda se lembra, em detalhes, do dia em que passou 12 horas longe de seu celular: “Era como se eu vivesse uma profunda crise de abstinência”.

A jovem esqueceu o aparelho em casa. Só se deu conta quando já estava dentro do ônibus, a caminho da faculdade. Passou o dia sem falar com as pessoas. De vez em quando andava de um lado para o outro, vasculhava a bolsa. “Eu até ouvia ele tocar baixinho. Mas acho que era minha imaginação.”

Para Cibele, o celular é o objeto mais importante na vida. É mais valioso que seus documentos, que o relógio de pulso e até que sua câmera fotográfica. Ela não está sozinha: 18% dos brasileiros se sentem viciados em seus celulares, de acordo com a empresa de pesquisas Ipsos, num estudo divulgado com exclusividade por ÉPOCA.

A taxa é superior à de vários países desenvolvidos. A pesquisa, realizada com 6 mil pessoas de todas as classes sociais, avalia o impacto da mobilidade no cotidiano. Ela replicou aqui um levantamento feito em cinco países da Europa: Reino Unido, Sué­cia, Espanha, Alemanha e França.

As respostas às questões elaboradas pela London School of Economics and Political Science, o mais importante centro de pesquisas e debates políticos da Europa, mostram como o celular está modificando comportamentos da sociedade.

Os brasileiros na faixa de 16 a 24 anos fazem 30% mais ligações e mandam 50% mais mensagens de texto que a geração de 45 a 59 anos. Entre as pessoas de meia-idade, 11% dizem que se sentem indesejadas se o celular não toca pelo menos uma vez por dia. Esse sentimento é relatado por 30% dos jovens.

A média geral dos brasileiros é 22%. “Os jovens estão na ponta de um novo estilo de comportamento, que deve virar o padrão nas próximas décadas”, diz a socióloga americana Noelle Chesley, da Universidade Cambridge, que estuda como as gerações reagem diferentemente à tecnologia.

A principal característica da nova geração é sua mobilidade. A partir do momento em que não faz mais diferença estar em algum lugar para ter, a todo momento, acesso a serviços, pessoas ou informações, mudamos o jeito de nos relacionar com o espaço.

O antropólogo James Katz, chefe do Departamento de Comunicação da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, compara os novos usuários de celular às tribos tuaregues que cruzam o Saara em cima de seus camelos. “Somos nômades modernos”, diz.

A diferença, segundo ele, é que os tuaregues estão à procura de novas pastagens para o gado. E os nômades modernos estão em busca de novos espaços físicos para estudar, trabalhar e se relacionar.


28 de junho de 2008
N° 15646 - Nilson Souza


Ele

Recebemos esta semana em nossa Redação a visita do escritor Sergio Faraco e ele nos contou coisas chocantes sobre o ofício de escriba. Disse, por exemplo, que jamais sabe como serão os finais de seus inexcedíveis contos quando começa a escrevê-los.

Deu a entender que se deixa conduzir pelo texto, como se fosse um principiante e não o reconhecido autor de histórias antológicas que todos admiramos. Pior, e suprema heresia nesta era tecnológica: confessou que redige tudo à mão primeiro e só depois se aproxima cautelosamente do computador para dar o trato final.

A garotada da assistência arregalou os olhos, incrédula. Mas o mais espantoso de seu relato, pelo menos para mim que fui o autor de uma pergunta sobre o tipo de retorno que ele espera do público, foi esta revelação:

- Eu não me importo nem um pouco com o que o leitor pensa daquilo que escrevo!

Neste momento da preleção, nós, os mais calejados, também ficamos arregalados. Aprendi no meu longínquo curso de Jornalismo, pela voz do saudoso professor Ernesto Corrêa, uma lição inesquecível em uma frase, que ele disse ter copiado da parede da redação de um jornal norte-americano:

- Lembre-se que você está escrevendo para ELE!

O ele maiúsculo, explicou-nos o irreverente mestre na ocasião, significava o leitor. Significa você, que está me lendo agora. Escrevo meus textos jornalísticos e também estas crônicas bissextas para que você leia.

Sei, tem muita gente que escreve para as gavetas, já fiz muito disso também, mas acredito que mesmo esses autores voluntariamente anônimos têm lá no fundo de suas tímidas almas a certeza de que um dia alguém os lerá.

Ops, não vou começar a filosofar agora. Volto a Faraco e à sua quase arrogante declaração. Para dizer que ele tem uma justificativa plausível para a sua aparente indiferença pelo leitor.

- Não dou a mínima para críticas ou elogios simplesmente porque sempre procuro fazer o melhor.

Como seu leitor, e conhecendo sua obsessiva busca pela palavra exata, pela frase perfeita, pela mensagem ao mesmo tempo concisa e emocionante, eu poderia atestar que ele sempre consegue fazer o melhor.

Mas, como respeito demais o meu leitor e tenho a pretensão de que o desavisado escriba possa estar entre os poucos que chegaram ao final deste texto, não vou aborrecê-lo com observações tão desimportantes.


28 de junho de 2008
N° 15646 - Paulo Sant'ana


O pecado da gula

Já repararam os leitores que as propagandas de alimentos com alto teor de gordura, açúcar e sal são exibidas mais intensamente na televisão perto do almoço e durante a tarde?

Por quê? Exatamente porque esse tipo de propaganda visa a atingir as crianças, altamente vulneráveis a esses tipos de anúncios. E as crianças costumam ver televisão nos horários diurnos, quando são exibidos desenhos animados e outras atrações para o público infantil.

Vai daí que os índices de diabetes e doenças do coração já se vêem incentivados desde a infância pela propaganda de alimentos gordurosos.

É grande a incidência de obesidade entre as crianças e os adolescentes. E não pode um fato exercer pior influência psicológica numa criança ou num adolescente que elas se tornarem obesas.

Além da desconstituição de sua auto-estima, as crianças e jovens gordos sofrem a troça dos seus colegas e amigos, sofrendo muito com essa pressão.

Por isso é que o Ministério da Saúde está lançando uma ofensiva para regulamentar a propaganda de alimentos com açúcar, sal e gorduras na televisão, licenciando a sua veiculação apenas para após as 21h, horário em que as crianças assistem menos televisão.

A propaganda de fast-food, guloseimas e sorvete, biscoitos, bolos e doces, refrigerantes e sucos artificiais constitui-se em 72% dos anúncios de alimentos veiculados na televisão.

Quase sempre esses anúncios são associados a personagens de programas assistidos pelas crianças, inclusive em desenhos animados que anunciam alimentos sedutores do público infantil.

Diz o Ministério da Saúde que não é uma questão de cercear a liberdade de expressão, mas sim de regular uma prática publicitária de mercado.

Uma das coordenadoras da pesquisa sobre esse tipo de propaganda, Elisabeta Racine, propõe que quem tem até 12 anos não consegue discernir entre o que é desenho animado e o que é propaganda de um produto apresentado por um personagem desses.

"A criança", diz ela, "não tem esse filtro. A televisão é chave na formação de hábitos dos pequenos, por isso é preciso controlar a propaganda de alimentos, sim".

Assim como a propaganda de cigarro na televisão é obrigada a acrescentar aviso sobre os males de saúde que encerra o tabagismo, o Ministério da Saúde quer que, em anúncio de alimento com altas taxas de açúcar, tenha de ser exibida mensagem de que há risco de o consumidor desenvolver obesidade e cárie dentária.

E no caso de anúncio com alimentos que contenham muito sal, um aviso de que pode causar problemas de pressão alta e doenças do coração.

É mais uma das brigas a que se atira o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Ele já comprou encrenca com o cigarro e as cervejas, envolvendo até atrito com o cantor Zeca Pagodinho.

Ele tem a idéia fixa de que a sedução que certos produtos exercem sobre os consumidores, quando são pregados por anúncios bem elaborados pela arte publicitária, tromba muitas vezes com a saúde pública.

Realmente, não só em crianças, como também em adultos, certas delícias nos chamam para devorá-las ou bebê-las quando expostas em colorido musical da televisão.

Dá vontade de a gente beber e comer o que está sendo anunciado.

E, como tudo que é bom, cigarro, bebida, em suma, todos os prazeres são nocivos à saúde, agora chegou a hora dos alimentos.

Não é por outro motivo que um dos sete pecados capitais é a gula.


28 de junho de 2008
N° 15646 - Paulo Sant'ana


O pecado da gula

Já repararam os leitores que as propagandas de alimentos com alto teor de gordura, açúcar e sal são exibidas mais intensamente na televisão perto do almoço e durante a tarde?

Por quê? Exatamente porque esse tipo de propaganda visa a atingir as crianças, altamente vulneráveis a esses tipos de anúncios. E as crianças costumam ver televisão nos horários diurnos, quando são exibidos desenhos animados e outras atrações para o público infantil.

Vai daí que os índices de diabetes e doenças do coração já se vêem incentivados desde a infância pela propaganda de alimentos gordurosos.

É grande a incidência de obesidade entre as crianças e os adolescentes. E não pode um fato exercer pior influência psicológica numa criança ou num adolescente que elas se tornarem obesas.

Além da desconstituição de sua auto-estima, as crianças e jovens gordos sofrem a troça dos seus colegas e amigos, sofrendo muito com essa pressão.

Por isso é que o Ministério da Saúde está lançando uma ofensiva para regulamentar a propaganda de alimentos com açúcar, sal e gorduras na televisão, licenciando a sua veiculação apenas para após as 21h, horário em que as crianças assistem menos televisão.

A propaganda de fast-food, guloseimas e sorvete, biscoitos, bolos e doces, refrigerantes e sucos artificiais constitui-se em 72% dos anúncios de alimentos veiculados na televisão.

Quase sempre esses anúncios são associados a personagens de programas assistidos pelas crianças, inclusive em desenhos animados que anunciam alimentos sedutores do público infantil.

Diz o Ministério da Saúde que não é uma questão de cercear a liberdade de expressão, mas sim de regular uma prática publicitária de mercado.

Uma das coordenadoras da pesquisa sobre esse tipo de propaganda, Elisabeta Racine, propõe que quem tem até 12 anos não consegue discernir entre o que é desenho animado e o que é propaganda de um produto apresentado por um personagem desses.

"A criança", diz ela, "não tem esse filtro. A televisão é chave na formação de hábitos dos pequenos, por isso é preciso controlar a propaganda de alimentos, sim".

Assim como a propaganda de cigarro na televisão é obrigada a acrescentar aviso sobre os males de saúde que encerra o tabagismo, o Ministério da Saúde quer que, em anúncio de alimento com altas taxas de açúcar, tenha de ser exibida mensagem de que há risco de o consumidor desenvolver obesidade e cárie dentária.

E no caso de anúncio com alimentos que contenham muito sal, um aviso de que pode causar problemas de pressão alta e doenças do coração.

É mais uma das brigas a que se atira o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Ele já comprou encrenca com o cigarro e as cervejas, envolvendo até atrito com o cantor Zeca Pagodinho.

Ele tem a idéia fixa de que a sedução que certos produtos exercem sobre os consumidores, quando são pregados por anúncios bem elaborados pela arte publicitária, tromba muitas vezes com a saúde pública.

Realmente, não só em crianças, como também em adultos, certas delícias nos chamam para devorá-las ou bebê-las quando expostas em colorido musical da televisão.

Dá vontade de a gente beber e comer o que está sendo anunciado.

E, como tudo que é bom, cigarro, bebida, em suma, todos os prazeres são nocivos à saúde, agora chegou a hora dos alimentos.

Não é por outro motivo que um dos sete pecados capitais é a gula.


28 de junho de 2008
N° 15646 - Moacyr Scliar


Gravidez na adolescência: o pacto do desamparo

Muito significativa a notícia que ZH publicou no fim da semana passado. Diz o texto: "Intrigados com o repentino aumento do número de adolescentes grávidas na escola, os diretores da Gloucester High School (Massachusetts, EUA) descobriram um fato surpreendente.

Ao menos metade das estudantes grávidas confessaram ter feito um pacto para engravidar ao mesmo tempo e criar os filhos juntas".

Essa notícia é importante porque remete a um problema cada vez mais freqüente no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde há uma verdadeira epidemia de gravidez na adolescência.

Em apenas 10 anos, de 1990 a 2000, praticamente dobrou o número de jovens que engravidam entre os 12 e os 19 anos, um total de 1,1 milhão de adolescentes. Cerca de dois terços da grávidas brasileiras têm menos de 20 anos.

As conseqüências são sérias. A gravidez na adolescência é quase sempre de alto risco. A hipertensão, que pode ter muitas complicações, é cinco vezes maior nas adolescentes, que também são mais propensas a ter anemia.

Um estudo da Organização Mundial da Saúde mostra que a incidência de recém-nascidos com baixo peso é duas vezes maior nos partos de mães adolescentes. A taxa de morte neonatal é três vezes maior.

As complicações psicossociais também não são pequenas. As garotas freqüentemente são rejeitadas pelo pai da criança e por seus próprios pais, têm de deixar os estudos, perdem os empregos. Em suma: são marginalizadas.

Pergunta: por que engravidam as adolescentes? Por ignorância, era a resposta clássica. Essas jovens não teriam conhecimento de métodos anticoncepcionais.

Não é verdade. Um estudo feito em São Paulo mostrou que 92% das adolescentes conheciam pelo menos um método contraceptivo.

No Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, verificou-se que apenas 22% das grávidas adolescentes pensaram em interromper a gravidez. Dessas, somente 5% efetivamente adotaram alguma medida prática.

Aproximadamente 25% das adolescentes planejaram a gestação, como aquelas dos Estados Unidos, e muitas abandonaram o método contraceptivo que usavam com o intuito declarado de engravidar.

Portanto, não é a desinformação que leva à gravidez na adolescência. Mas o que é, então? A notícia que nos vem dos Estados Unidos dá uma significativa sugestão a respeito. Muitas dessas adolescentes querem engravidar. É uma forma de auto-afirmação, de deixar uma marca no mundo, através da criança.

E é, como mostra o pacto da escola americana, quase que um movimento de caráter social, resultante da ausência de oportunidades. Metade das adolescentes grávidas atendidas no Hospital das Clínicas da USP já havia interrompido os estudos antes de engravidar.

No passado, atribuía-se a chamada explosão demográfica à ignorância dos pobres ou, pior, a uma espécie de perversidade que fazia com que se reproduzissem como coelhos.

O jeito seria fazê-los usar contraceptivos de qualquer maneira. Agora sabemos que a coisa é mais complicada do que parece.

E há nisto uma clara mensagem para os pais e para as escolas. As garotas precisam ser ajudadas psicologicamente. Antes que optem pelo pacto da gravidez.

sexta-feira, 27 de junho de 2008


JOSÉ SIMÃO

Ueba! Caiu de boca no bafômetro!

É tanto álcool na gasolina que o motorista vai virar alcoólatra passivo!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Sabe onde fica a casa do Rubinho em Algarve, Portugal?

Numa travessa da avenida Ayrton Senna, NÚMERO 2! E mais uma: "PM prende quadrilha que fabricava bomba no morro do Querosene".

E mais outra: "Pilotos dormem e avião vai parar em outra cidade". Já sei, os pilotos eram o compadre do Lula e a Dilma.

Nada, os pilotos eram o Ricardo Teixeira e o Dunga! Rarará! A Lucianta e a Carla Perez! E o Maluf mudou de novo o título da biografia dele. Não é mais "Ele". Agora, por indicação dos advogados de defesa, a autobiografia passará a se chamar: "Não Foi Ele!". Rarará!

E o Brasil é um país tão católico que até a gasolina é batizada. É tanto álcool na gasolina que o motorista vai virar alcoólatra passivo! E o dono de um posto estendeu a faixa: "Batizada aqui, só a filha do dono!".

E a gasolina tá tão ruim que a Toyota lançou um Corolla ecológico. Puxado a vaca. Virou carro de boi. Toyota COWROLLA! Rarará!

E aí um guarda parou a loira: "Carteira Nacional de Habilitação". "Não tenho nem sei o que é." "IPVA." "Não tenho em sei o que é." E o guarda irritado desabotoou a braguilha e mostrou o pingolim: "E isso, você sabe o que é?". "AH, NÃO! BAFÔMETRO DE NOVO?" Rarará!

Por falar em bafômetro, o Lula mandou avisar que não foi o bafo dele que derrubou a galega da cama.

Porque, segundo um chargista, a única coisa que ele bebeu no São João foi QUENTÃO DE KI-SUCO! Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. Em homenagem aos cem anos de imigração japonesa.

É que, no Japão, tem uma fábrica de cadeiras chamada Keimoku. O quê? Keimoku? Então deve ser cadeira elétrica! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção. Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Psicopata: companheiro veterinário especializado em doenças mentais." O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

O abraço

BRASÍLIA - Mortes quase sempre geram muita tristeza, tréguas e pausas para pensar, mesmo nas mais conflagradas famílias.

Foi o que a morte de Ruth Cardoso produziu, deixando como marca uma foto emocionante sob o ponto de vista humano e emblemática sob o político: a do abraço, em lágrimas, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva.

Um abraço de velhos companheiros, não de atuais adversários, e que não vai mudar a política em nada (principalmente diante das eleições municipais), mas mexeu com corações endurecidos e partidarismos inflexíveis no PT e no PSDB.

Aliados nos tempos do inimigo comum, a ditadura militar, FHC, Lula e seus respectivos grupos e partidos se distanciaram basicamente por diferenças de táticas políticas e de estratégia, aprofundadas ao longo do tempo pela disputa de poder. De aliados passaram a adversários e chegaram a inimigos, capazes de se ferirem cruelmente.

FHC e Lula são o que há de melhor na política brasileira, pela capacidade intelectual de um, a perspicácia do outro, a liderança e a excepcionalidade de ambos. FHC fincou as bases em praticamente todas as áreas para um país muito melhor do que encontrara oito anos antes. Lula pegou o bonde e acelerou.

Os avanços na economia e na gestão, porém, não refletiram em melhorias na prática política nem no refluxo nos escândalos. Os dois, entrincheirados em seus partidos e reféns de suas alianças, conviveram com erros bem parecidos.

Mas é justamente por esses erros que se matam uns aos outros. O sujo falando do mal lavado. A diferença é que Lula e os petistas foram implacáveis contra FHC e os tucanos no poder, mas não suportam provar do próprio veneno. Virou uma guerra.

E, se o Brasil bateu no seu teto político com FHC e Lula, o que virá depois? A foto do abraço, tão forte, contundente, remete ao passado, mas não projeta o futuro.

elianec@uol.com.br


27 de junho de 2008
N° 15645 - Liberato Vieira da Cunha


Um disco de vinil

Um dia meu pai chegou em casa com um pequeno milagre. Um único disco, comprado na Casa Coates, continha uma sinfonia inteira de Beethoven.

- É um long-play - explicou.

E mais do que explicar, provou, colocando na eletrola a orquestra inteira da NBC, regida por aquele mágico chamado Arturo Toscanini.

Ensinou-nos então que, diversamente de nossa já alentada coleção de discos 78 RPM, aquele girava em 33 RPM, pois era gravado em microssulcos.

Não foi um exemplar solitário. Não demorou e éramos proprietários de uma larga seleção de elepês, a maioria dos quais dedicados à música clássica.

Sou dono até hoje de uma modesta amostra de discos de vinil, na maior parte devotados à música popular. Só aqui nesta sala onde escrevo, tem uns 50, número que se multiplica na estante do corredor.

Não sei se é ilusão minha, mas me parece que reproduzem músicas mais pura e autenticamente do que os giros dos CDs. Mas talvez não seja.

Leio em ZH que os elepês têm mesmo melhor qualidade de som. Leio mais, nesta boa reportagem de Gabriel Brust. Há mais de uma década a internet mostrou que a informação não precisava de mais de um meio físico isolado para ser armazenada. Podia correr por fios de forma epidérmica, aí incluída a música.

Isso significa na prática que está decretada a morte do CD, em benefício da ascensão e glória do MP3.

Mas não é improvável que dentro em breve me cheguem os primeiros sinais da agonia do MP3. As coisas mudam, a muitas rotações por minuto, neste começo de milênio.

Mas de algo estou seguro. O long-play, o elepê, o disco de vinil vão sobreviver.

Há lojas, nesta Porto Alegre, que continuam a vendê-los, tanto os antigos quanto os novos. Há pessoas, nesta Porto Alegre, que têm seus corações tocados de nostalgia.

Há gentes, como você e eu, que não aprenderam a resistir aos apelos de algumas capas, como esta que tenho agora na mão. Pois nela se resumem o jeito e o espírito das músicas dos Anos Dourados.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana para todos nós.


27 de junho de 2008
N° 15645 - Ricardo Silvestrin


Enquanto corria a barca

Uma sessão de autógrafos dentro de um açougue. É o Açougue Cultural T-Bone. Não é nenhuma metáfora, embora açougue cultural se preste a várias leituras. É um açougue mesmo, com carne pendurada, parede de azulejo branco, açougueiro de avental e tudo.

Numa mesa, em frente ao balcão frigorífico, os poetas e artistas plásticos que fizeram o livro. Na calçada, a partir da porta, um palco com microfone. Ali, rola um recital poético e musical uma vez por mês. Falei três poemas meus. Isso aconteceu em Brasília, na semana passada.

Quando cheguei à cidade, estranhei tudo. Muito cimento, muito prédio igual ao outro, avenidas todas com a mesma cara. Como contou o poeta Fred Maia, segundo Jorge Mautner, em Brasília só existe o tempo, não o espaço.

Afinal, a gente anda e parece que está sempre no mesmo lugar. Pensei: como pode uma cidade não ter casas velhas, prédios antigos? E isso vindo de alguém que vive em Porto Alegre, uma cidade que não tem nem 300 anos de história.

Outro choque: a extrema consciência geográfica. Todo mundo se orienta pelo mapa. Todos têm o mapa na cabeça. Desenham nas mãos: "Olha, aqui é a ponta do avião, ali é a asa, abaixo e acima estão as quadras, a numeração se dá de forma tal e tal...".

Uma hora, brinquei: "Vocês estão viajando; não estamos em asa nenhuma; isso é só uma rua!". Depois, os palácios. Palácio da Alvorada, do vice-presidente, palácio disso, daquilo. Perguntei: "Certo, e onde fica o Palácio dos Enfeites?".

Mas minha inadaptabilidade foi passando na medida em que fui convivendo com as pessoas legais. São elas que fazem o lugar.

Cada uma conhecia um restaurante, um bar, um centro cultural, um café. E, assim, Brasília foi virando uma cidade. Criativa, como no caso do Açougue. Ou da Barca Poética. Uma embarcação que percorre o lago Paranoá. Em toda lua cheia, ela sai. Leva o grupo Oi, Poema.

Dois dos mais interessantes poetas da cidade fazem parte: Nicolas Behr e Luís Turiba. E a atração musical do último fim de semana foi os poETs, meu grupo. Fizemos dois shows com a barca lotada. Poesia, música, pôr-do-sol, lua cheia. Isso também é Brasília.