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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
MALDADES MERITÓRIAS
Continua a polêmica das cotas. Recebi muitos e-mails contra e a favor das cotas. Eu sou totalmente contra a reserva de vagas para uma classe social ou para uma etnia.
Não posso aceitar que um mesmo grupo social reserve para si 99% das vagas de certos cursos. É o que acontece com os brancos ricos, que, desde sempre, têm reservadas para si a quase totalidade das vagas em cursos da Ufrgs como Medicina, Direito, Odontologia.
Quantos negros e pobres estudam Medicina na principal universidade pública do Rio Grande do Sul? A originalidade brasileira é esta: os brancos ricos podem estudar inteiramente de graça nas melhores universidades públicas.
Faz sentido. Afinal, eles precisam economizar para ir à faculdade pilotando um carro do ano. De onde saiu a idéia estapafúrdia de que a universidade tem de ser reservada aos 'melhores'?
Como se faz um 'melhor'? A universidade deve receber todos aqueles que atingirem um rendimento mínimo que possa ser chamado de aprovação. Ela deve estar aberta aos melhores e a todos aqueles que possam ser melhorados.
O vestibular para disputar um número específico de vagas, segundo uma ordem de classificação dos candidatos, foi uma das maiores maldades inventadas pela ditadura brasileira. Significou a reserva quase total das universidades públicas para os brancos ricos, especialmente nas faculdades de ricos, como Medicina.
Existem as faculdades de pobres (Pedagogia, Ciências Sociais, as licenciaturas em geral), onde se pode encontrar um número maior de pobres e de negros, o que serve para melhorar as estatísticas do escandaloso e discriminatório ensino público brasileiro.
Os brancos ricos são os vampiros da universidade pública brasileira. Mamam nas tetas estatais e depois, se duvidar, passam a defender o Estado mínimo.
Se entendi bem, entraram na Ufrgs, graças à política de cotas, 21 negros (em mais de 4 mil vagas). É extraordinário. Uma terrível ameaça para a hegemonia branca.
A introdução de cotas para escolas públicas esqueceu-se de considerar que existem escolas públicas de brancos ricos (Aplicação, Colégio Militar). Resultado: alguns maus alunos brancos ricos desses estabelecimentos ganharam vagas como cotistas. Como sempre, houve um efeito perverso e os brancos ricos levaram a melhor.
O Brasil precisa de universidade para todos, não de cotas. Essa é a segunda grande maldade depois do vestibular. Tivemos a maldade da direita. Agora temos a da esquerda. É a operação Pilatos. Os adversários das cotas citam a Constituição brasileira. É um sofisma.
A igualdade de acesso, constitucionalmente prevista, nunca foi cumprida, visto que a reserva para brancos ricos, sob cobertura de um pretenso mérito, predomina. A universidade pública brasileira é um sistema de reprodução da desigualdade.
Não se trata de um jogo de futebol. Só pode haver decisão por mérito quando há igualdade de condições na preparação para a disputa. Uma idéia razoável seria fazer os brancos ricos da Ufrgs pagar pelos estudos.
Sobraria dinheiro para abrir novas vagas para negros pobres. Negro bom para as nossas elites continua sendo aquele que não tenta cobrar qualquer indenização pelo que os brancos lhes fizeram no passado.
Somos racistas universalistas. Não queremos políticas que alimentem o ódio racial. Preferimos que ele continue sendo alimentado pela exclusão que gera um universo negro dos sem-futuro.
juremir@correiodopovo.com.br
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