sábado, 23 de fevereiro de 2008



23 de fevereiro de 2008
N° 15519 - Paulo Sant'ana


Anticorporativismo

No programa do Faustão, naqueles espaços em que homenageiam um artista de qualquer sexo, quando eles botam no ar gravações de parentes ou colegas do homenageado, claro que todas as referências lançadas ao ar são elogiosas, tenho ouvido freqüentemente algo espantoso.

É que diretores de televisão e outros artistas, para acentuar ainda mais as qualidades da personalidade homenageada, dizem que ela é querida de todos do ambiente artístico, que tem excelente caráter, "o que não é comum no nosso meio".

Ficamos sabendo assim, por outras palavras, em quase todos os domingos, que na televisão e no teatro, mormente no meio das novelas, a maioria dos artistas e diretores não tem bom caráter ou que pelo menos não são "pessoas queridas".

Isso me parece um exagero.

Canso de ouvir que um dos mais graves pecados da conversação e das análises de comportamento em geral é a generalização.

Por esse princípio, temos de acreditar, o que me parece sensato, quem nem todo funcionário público é ocioso, nem todos os policiais e políticos são corruptos, até mesmo nem todos os pitbulls e rottweilers atacam e dilaceram e matam as pessoas.

Só para ficar neste último exemplo, num terreno em que, se há uma pessoa que muito comete o pecado da generalização, é este colunista que está lhes escrevendo.

Com que então não é comum no meio artístico as pessoas serem boas? Isso me tem feito restar perplexo diante da televisão. Menos pelo impacto do exame de mérito da declaração do que pela falta de corporativismo de quem a tem pronunciado.

Ou seja, os artistas e os diretores ficam falando mal dos artistas e dos diretores, embora pela forma de metáfora.

Isso pode decretar no espírito dos telespectadores um mau juízo dos próprios artistas e diretores.

Faz me lembrar do tempo, há 70 anos, em que na sociedade brasileira se acreditava que ser artista, músico, ator, cantor, era infamante. Os pais proibiam seus filhos de tocar violão, de fazer testes no rádio como comunicadores ou artistas, a polícia combatia os seresteiros nas ruas como se eles fossem ladrões.

Essas manifestações que tenho ouvido podem vir a ter o condão de voltarmos àquela época de caça às bruxas contra qualquer vocacionado à arte popular.

Por exemplo, quando Noel Rosa, com apenas 23 anos de idade, abandonou a Faculdade de Medicina que cursava para ser compositor e boêmio, morreu para a dita sociedade da época - melhor dito para a elite do início do século passado.

E Noel Rosa, ao não querer mais ser médico, acabou como o maior gênio da música popular brasileira, o que pode fazer crer que o Brasil apenas perdeu um médico medíocre.

O pior é que hoje não é mais assim: a profissão de ator, cantor, músico, qualquer artista popular, é muito respeitada - e adorada - pelo público, portanto pela sociedade.

A de jogador de futebol também, ainda mais depois de Pelé.

Concluo dizendo que não acho que o ambiente artístico seja um serpentário. Há, como em todo ambiente, algumas víboras, mas a maioria dos seus integrantes são pessoas retas e de bom caráter.

E não falo isso por ser integrante desse ambiente. Embora essa condição me dê melhor credencial para falar sobre ele.

Então, como é que os artistas e diretores de telenovelas e teatro vivem dizendo nos últimos tempos na televisão que o meio deles é agressivo e desumano?

Além de contrapropaganda da profissão, essas declarações repetidas na televisão sugerem uma certa megalomania: e os outros milhões de profissões todos? Não têm o mesmo defeito? Como é que desconsideram assim as outras profissões?

Quase sempre essas distorções analíticas não levam em conta que os defeitos de personalidade não são intrínsecos a determinada classe, mas a toda a humanidade.

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