segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008



O DESTINO DE HARRY POTTER

Como vocês sabem, eu não perco notícias sobre celebridades. Não poderia deixar de ler o artigo do professor Gabriel Perissé sobre as traduções de Harry Potter.

O autor confessa o seu amor pelo bruxinho: 'Após o mais recente volume, publicado em 2007 – ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte’ –, o personagem de J. K. Rowling ingressou definitivamente no imaginário coletivo, onde vivem para sempre, influenciando-nos a todos, pessoas irreais como Pinóquio, Hércules, Peter Pan, Hamlet, Indiana Jones, Frodo e Sr. Spock. Concluiu-se, enfim, a saga do jovem bruxo'.

Como eu não sei quem são Frodo e Sr. Spock, nem quero consultar o Google a esse respeito, limito-me a fazer uma previsão inusitada e radical: Harry Potter durará tanto tempo no imaginário popular mundial quanto Britney Spears, Indiana Jones e Heath Ledger.

Perissé tenta provar a grandeza literária de J. K. Rowling comparando um fragmento da tradutora brasileira oficial de Harry Potter, Lia Wyler, com o mesmo trecho traduzido por internautas fãs do personagem.

Esta é a tradução de Lya Wyler: 'Sua cicatriz queimava barbaramente: só havia uma coisa que podia fazer para não gemer alto. Murmurando que ia tomar ar fresco, pousou o copo na mesa e saiu da sala.

Ao atravessar o quintal escuro, o grande testrálio ossudo ergueu a cabeça, moveu as enormes asas de morcego, depois continuou a pastar. Harry parou diante do portão que abria para o jardim e se pôs a contemplar as plantas excessivamente crescidas, esfregando a testa latejante e pensando em Dumbledore. Dumbledore teria acreditado, disso ele tinha certeza.

Dumbledore teria sabido como e por que sua varinha agira sem que a comandasse, porque Dumbledore sempre tinha as respostas; conhecia tudo sobre varinhas, explicara a Harry a estranha ligação que existia entre a sua varinha e a de Voldemort...


mas Dumbledore, tal como Olho-Tonto, como Sirius, como seus pais, como sua pobre coruja, todos tinham partido para um lugar em que Harry não poderia mais falar com eles. Sentiu, então, uma ardência na garganta que não tinha qualquer relação com o uísque de fogo'. A tradução parece boa. O original é horrível.

O leitor é submetido a varinhas autônomas, testrálios pastando, asas de morcego, uma pobre coruja e mais uma série de termos, nomes e situações de um esoterismo marqueteiro para crianças aceleradas e adolescentes retardados. É o gótico infanto-juvenil. No fundo, tudo isso é aceitável e anacrônico.

Eu só estou escrevendo este comentário por causa de uma expressão: 'uísque de fogo'. Será que Rowling estava de pileque quando concebeu essa imagem impressionante? Só por esse achado, esteticamente superior, Harry Potter já mereceria ser lembrado pelos próximos 20 anos. Até mais.

Os internautas teriam cometido seis erros graves contra o estilo maravilhoso de Rowling. Esqueceram o advérbio 'barbaramente'. Não citaram o copo esquecido sobre a mesa. Ignoraram que o testrálio ergueu a cabeça para ver Harry Potter. Confundiram esfregar a testa latejante com a cicatriz latejante.

Disseram que a varinha de Potter agira 'independentemente', cometendo um erro de digitação e deixando de encontrar a solução perfeita, 'agira sem que a comandasse'.

Por fim, trocaram 'estranha ligação' por 'grande conexão'. Confirmo a minha hipótese: Harry Potter é um extraordinário formador de leitores. Forma leitores para Paulo Coelho e Dan Brown.

juremir@correiodopovo.com.br

Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana.

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