quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008



13 de fevereiro de 2008
N° 15509 - David Coimbra


O maior remorso do mundo


Das vezes que mais senti remorsos na vida há uma que até hoje me dá um aperto no coração, quando lembro. Isso que faz tempo, foi nos anos 80. Nosso time jogava nas quadras do Dom Bosco nos fins de semana, até contei uma história sobre, dia desses.

A gente jogava, jogava, jogava o dia inteiro e, depois, descia o morro do Alim Pedro e ia para o armazém do Seu Zequinha, na Plínio, bem ali onde hoje fica a loja do Brazinha. Não era bar, era armazém.

O Seu Zequinha e as três filhas dele atendiam atrás do balcão, vendiam açúcar, pão, leite, maria-mole, bala quebra-queixo, perna de lingüiça, tijolo de banha, bolinha de gude, botão puxador, tudo, inclusive cerveja. O Seu Zequinha, vou dizer: ele era faixa.

Permitia que puxássemos uma mesa de ferro de entre as sacas de farinha e feijão, mais meia dúzia de cadeiras e uns mochinhos de toco, cortava um oloroso queijo da colônia em cubos, um salamito em fatias, servia-nos num pratão de alumínio e voltava para trás do balcão. A cerveja, nós mesmos íamos até a geladeira para buscar as garrafas, tantas e várias.

Num desses sábados, fizemos uma combinação. Minha namorada de então ia preparar um jantar para nós, não lembro qual era o prato, lembro que levava batata. A idéia era, logo que terminasse o jogo, cada um ir para sua casa, tomar banho, para em seguida nos encontrarmos na casa do Chico Trago, na Cidade Baixa. Lá é que se daria o convescote.

Só que nós não fomos do jogo para o banho. Não. Fomos do jogo para o armazém do Seu Zequinha. Começamos a beber e a comer tira-gosto e a cantar e a dizer besteira e a comentar o jogo da tarde, e foi chegando mais um, e outro, e ainda outro, e em pouco tempo havia tanta gente em volta da mesa, e estava tão bom, que esquecemos do jantar.

E eu esqueci da namorada! Num tempo sem celular, o esquecimento era irremediável. Quando dei por mim, bati na testa com a palma da mão e berrei:

- WOLFREMBAER!!!

Saí correndo para o banho, saímos todos. Menos o Chico Trago. Ele ficou esperando para levar-me de carro, que eu não dirigia. Aterrissamos na Cidade Baixa com umas três horas e meia de atraso, Jesus Cristo!

A cena com a qual deparei, ao chegar, é a que me comprime o peito, quando a recordo: minha namorada estava dentro de um vestido muito bonito, um vestido novo, acho, sentada no meio-fio da calçada, com um saco de batatas ao lado. Chorando.

Queria que estivesse furiosa, queria que tentasse me espancar. Mas, não: ela estava triste. Uma mulher braba, o homem reage a essa mulher, o homem justifica o seu próprio erro com a fúria dela.

Mas uma mulher triste... aí está algo que liquida com um homem. Fiquei liquidado, aquela noite e, pensando bem, ainda não me recuperei. Nada machuca mais um homem do que uma mulher entristecida por sua causa.

O erro foi meu. Minha culpa, minha máxima culpa. Quem sofreu foi minha namorada, pobrezinha. Só que ela me perdoou. Quem ficou encanzinada, por algum motivo, foi a namorada do Chico Trago. Depois daquele dia, ela passou a pedir ao Chico para ir aos nossos jogos.

- Quero te ver jogar, amor - justificava.

O Chico não viu mal naquilo. Então, todos os sábados, ela ia ao Dom Bosco, sob pretexto de que iria assistir às nossas partidas. Pretexto, de fato: ela ficava no carro, dormindo, enquanto nós jogávamos.

Depois, ia beber conosco no Seu Zequinha. Muito chato. Com o tempo, o Chico foi largando o jogo, largando o time, até que largou a turma.

As mulheres sabem ser solertes.

Agora tem o seguinte: talvez seja melhor a mulher ficar cochilando e babando no Fusca. Porque, se o cara está jogando bola e a namorada está assistindo, ele não mantém a naturalidade.

Ou ele se exibe ou ele se enerva. Com o que concluo que não se pode julgar o Roger pela partida de sábado passado.

Era a primeira vez que ele levava a Deborah Secco ao campo - foi uma partida especial. Uma partida única. Até porque não é todo dia que se tem a Deborah Secco torcendo pela gente.

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