quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008



21 de fevereiro de 2008
N° 15517 - Leticia Wierzchowski


Da infância

Dia lindo de verão, e meu filho de seis anos vem correndo pela areia e diz: "Mãe, estou com um psicólogo no pescoço."

Dá vontade de tascar um beijo nesse rosto bronzeado e vivaz, mas eu apenas respondo sorrindo: "Psicólogo, não, meu filho. Você está é com um torcicolo."

"E o que é psicólogo então?", ele quer saber depressa. "Psicólogo é um médico que ajuda as pessoas a resolverem seus problemas e medos." Ao que ele retruca: "Ah, mas por que elas não falam essas coisas com os pais delas?"

No exato momento em que você lê esse texto, imagino que milhares de consultas terapêuticas estejam sendo pagas por pacientes ávidos em resolver seus traumas com os progenitores.

Mas, aos seis anos, essa é a lógica da vida: apertou, chame o pai ou a mãe. E que delícia viver isso, equilibrar essa responsabilidade nos ombros, com seus momentos difíceis e suas glórias.

Neste final de férias, os problemas do meu filho se resumem à temperatura da água, ou à falta do picolé predileto.

O que não posso resolver (quem sou eu pra ter alguma incidência sobre a temperatura da água nessas paragens?), eu driblo.

O mar está ruim, vamos jogar frescobol. Haverá certamente um tempo em que serei apenas observadora dos problemas do meu menino, e provavelmente meus conselhos nem serão levados em consideração.

Mas, por enquanto, massageio o seu pescoço dolorido, e vamos juntos comer um picolé de morango, que não há dor infantil que resista a tal delícia.

Faz algum tempo, pensando numa personagem que eu queria compor, cheguei em casa com dois baralhos de tarô novos em folha.

Sentada no chão do meu quarto, comecei a mexer naquelas cartas grandes e bonitas, brincando de adivinhar o futuro nos seus signos, de olho fixo num pouco confiável manual que acompanhava o baralho.

Meu filho entrou no quarto e interessou-se imediatamente pela função. Perguntou-me que jogo era aquele, e respondi que eram cartas muito antigas que adivinhavam coisas.

A gente fazia uma pergunta, cortava o baralho assim e assado, e lá vinha a resposta que queríamos.

Ele quis jogar. Embaralhei as cartas, e pedi que cortasse o bolo em três e se concentrasse numa pergunta. Nada de dúvidas profundas nem curiosidades transcendentais.

Meu filho fechou os olhinhos, respirou fundo e, cortando o baralho conforme a minha indicação, perguntou aos Arcanos em voz alta e expectante:

"Baralho, eu queria saber quantas sementes têm uma laranja." Veio um oito de paus e ele deu-se por satisfeito. E depois eu me pergunto por que a gente cresce.

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