sábado, 16 de fevereiro de 2008



16 de fevereiro de 2008
N° 15512 - Cláudia Laitano


O teatro é nosso

Praga é hoje um dos destinos turísticos obrigatórios da Europa - um tesouro, relativamente preservado durante os anos de domínio soviético, que agora convive com a invasão pacífica e desordenada dos dólares e das câmeras digitais.

Em uma cidade onde a primeira ponte foi construída no século 12, um dos maiores orgulhos locais é um teatro inaugurado em 1881 - "ontem" dentro da perspectiva histórica deles.

O Teatro Nacional de Praga é mesmo de tirar o fôlego de turistas já embasbacados com a paisagem ao redor. Mas não é motivo de orgulho apenas pela imponência do prédio ou pela programação de primeira.

O fato é que o teatro não é "na" cidade, mas "da" cidade, literalmente, porque foi a população que juntou recursos para reconstruí-lo quando pegou fogo, poucos meses depois da inauguração.

A convicção de que o teatro era fundamental para a identidade e a auto-estima de Praga era tão grande que ricos e pobres, fãs de ópera e de música caipira checa (sim, isso já devia existir), todos deram sua contribuição para rapidamente recolocar o prédio em pé.

Dois anos depois do incêndio, em 1883, as cortinas do teatro voltaram a se abrir, e sobre elas o lema que sintetiza a relação de Praga com seu teatro: "Nação para Si". Se estivesse sobre a fachada de um quartel-general ou da prefeitura, a frase poderia ser lida como uma perigosa profissão de fé nacionalista.

Sobre as cortinas desse teatro, funciona como uma mensagem para os atuais habitantes da cidade, uma espécie de convocação para que honrem o legado de seus antepassados, tratando a cultura como um patrimônio pelo qual todos são responsáveis - governo, empresários e cada cidadão dentro de suas possibilidades.

Nosso Theatro São Pedro, vejam só, é mais antigo do que o Teatro Nacional de Praga. Em uma cidade em que se contam nos dedos os prédios com mais de um século de história, o São Pedro chega aos 150 anos não só em pé, mas ativo, bonito e freqüentado. É motivo de orgulho, sem dúvida, mas mais do que tudo é motivo de espanto.

Porque o São Pedro é praticamente uma aberração em um país de raras instituições culturais públicas ativas, eficientes e com continuidade administrativa.

Mas até as pedras da Praça da Matriz sabem que o São Pedro é o que é não por causa de nenhum governo, mas graças à tenacidade de Eva Sopher e das (pouquíssimas) pessoas que a ajudam a manter o teatro funcionando - com o apoio providencial da Associação de Amigos, que virtualmente sustenta a casa.

Mas tudo tem limite, até a capacidade de dona Eva de dar nó em pingo dágua. Para que o São Pedro comemore como merece esse aniversário, eu e você que freqüentamos a casa e também empresários e poder público vão ter que se mexer.

Porque esse teatro não é apenas um lugar onde artistas do mundo todo vem se apresentando há um século e meio - aliviando um pouco nosso imemorial complexo de província periférica.

Com seus 150 anos, o São Pedro assistiu à boa parte da nossa pequena história de camarote. Tratá-lo como se fosse apenas mais um prédio antigo do Centro é como fazer uma declaração em letras douradas para o futuro de que nós, aqui neste comecinho de século 21, não sabíamos dar valor à Cultura e à História.

Os gaúchos adoram dizer que têm orgulho do passado. Pois o cavalo está passando encilhado a nossa frente.

Vamos dar ao São Pedro a festa que ele merece e ensinar para as crianças que esse teatro não é "no" Rio Grande do Sul, mas "do" Rio Grande do Sul - torcendo para que, na festa de 200 anos, instituições culturais no Brasil dependam um pouco menos do esforço individual e mais de um modelo de administração que realmente funcione.

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