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sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
29 de fevereiro de 2008
N° 15525 - Paulo Sant'ana
Unanimidades inteligentes
Existem exceções para a afirmação do inesquecível Nelson Rodrigues de que "toda unanimidade é burra".
Eu conheço várias dessas exceções. Por exemplo, o pastel. Não conheço ninguém que não goste de pastel. Então, a unanimidade pelo pastel não pode ser considerada burra.
Um pastel recém-saído da frigideira, quentinho, ainda molhado do azeite, é algo que só quem é anormal pode rejeitar.
Pastel de queijo, pastel de carne, pastel de catupiri, pastel até de abacaxi, todos são deliciosos.
Outra unanimidade inteligente é o cafuné. Só um monstro pode não gostar de cafuné. Cafuné de mãe, cafuné de irmã, cafuné da pessoa amada, então, é irrecusável.
Não existe para o homem urbano e civilizado um prazer mais inexcedível do que, de pijama, numa matinê de sábado, ser alvo do cafuné de sua amante.
Vocês já notaram o êxtase de que é tomada uma cadelinha poodle quando lhe fazemos um cafuné?
O cafuné é, portanto, um prazer animal, uma euforia hedônica, um deleite incomparável brindado pela inteligência e sensibilidade humanas.
O cafuné é uma das unanimidades universais.
Outra unanimidade nada burra é o beijo. O beijo da mãe, o beijo do pai, o beijo principalmente com a mulher ou o homem amado, pode existir algum prazer maior que o beijo? Adianto que nem o orgasmo. O orgasmo é filho do beijo e não o contrário.
Por sinal, o orgasmo sem beijo é como um doce dietético, tem um sabor que se sabe que é falso, que não vem do açúcar, o orgasmo sem beijo tem sabor de aspartame.
Não há beijo sem valor considerável. Nem o "beijo de Judas". Aliás, o beijo de Judas só se vem a saber que foi de Judas muito tempo depois de ser dado.
Quer dizer, quando foi dado, como não se conhecia que era de Judas, tratou-se de uma delícia confortante. Só quando, mais tarde, quando se perpetra a traição, é que o beijo de Judas é renegado e maldito.
Ou seja, o beijo, todo beijo, é uma dessas unanimidades indiscutíveis.
Outra unanimidade estupenda é a coçada nas costas. Nunca vi ninguém que não goste, que não adore que lhe cocem as costas.
Chegaram até a criar essas mãozinhas de plástico que são vendidas nas lojas de R$ 1,99 para coçar as costas.
Quem, após ter queimado as costas no sol da praia ou da piscina, não se debulhar em prazer quando alguém lhe coça as costas não é terráqueo, não é humano - e, se for, será um imbecil.
Outra brilhante unanimidade é a massagem, correlata ao cafuné e à coçada nas costas. O beijo na boca é relaxante, a coçada nas costas é relaxante, idem o cafuné, mas o mais relaxante dos toques de mãos alheias ou qualquer pele de outrem é a a massagem.
Quando me fazem cócegas, eu rio. Quando me fazem cafuné, eu enterneço. Mas, quando me fazem massagem, eu durmo, isto é, eu ameaço morrer de relaxamento.
A massagem é a mais mágica das artes manuais, ela nos transporta para o Nirvana, para o céu, para o vestibular da eternidade.
Parece que a massagem livra nosso corpo de todas as impurezas, além de fortalecer o espírito. Sim, porque quando o corpo é massageado ele sente que pode levitar, que pode correr, que pode fazer amor, uma sensação de onipotência toma conta dos ossos, dos nervos e dos músculos, capaz de fazer um homem sentir-se um super-homem, a criança sentir-se um adulto, a mulher sentir-se capaz de dar à luz decagêmeos.
A massagem transmite-nos uma forte sensação de liberdade.
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