domingo, 17 de fevereiro de 2008


CARLOS HEITOR CONY

A Corte e a província

RIO DE JANEIRO - Nunca dei bola para a minha auto-estima. Bem verdade que, quando furo um pneu na estrada, aprecio que os outros estimem o meu auto e me ajudem.

Fora disso, auto-estima é papo de analista. Daí que não chego a me sentir insultado quando, a cada manhã, passo os olhos pelos jornais.

Dois temas ocupam e preocupam a mídia em geral: uma eleição presidencial na Corte e mais um escândalo na província. Deixamos de ser colônia em 1822, mas guardamos o ranço provinciano de cultivarmos com entusiasmo as nossas mazelas e deslumbrarmos com babosa admiração os fastos e os faustos da Corte.

No tempo em que Paris era o centro do mundo, um diretor de jornal dizia que uma briga entre dois mendigos debaixo de uma das pontes sobre o Sena era mais importante do que a Guerra de Canudos e o surto da febre amarela no Rio, então capital de uma província federal.

Aqui, um deputado comprou tapioca com o cartão corporativo, que será pago com o tributo que o governo arranca de todas as províncias. Na Corte, um candidato presidencial compra rosquinha com o próprio dinheiro.

A foto de fato tão transcendental, de gesto tão formidável, circula em todos os jornais e em todas as tevês, um exemplo que não é imitado nas províncias, embora admirado pelos formadores locais de opinião, que se extasiam diante dos bons costumes da nova "caput mundi".

Um súdito do Império Romano, vindo do oriente mais remoto, chegou a Roma no início do século 1º, extasiou-se diante dos mármores da Cidade Eterna e, visitando as termas, ficou perplexo ao saber que os romanos tomavam banhos diários e demorados.

Voltando para a sua província, tentou fazer uma termas onde todos pudessem se banhar. Foi decapitado, sob acusação de imoralidade.

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