segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008



A COR DOS PEIXES

Numa piscina natural, tive uma conversa com vários peixinhos. Eram todos colloridos. No rio que desemboca no mar logo depois de Porto da Rua, aqui em Alagoas, dialoguei com um peixe-boi.

Eu já tinha falado com bois, nunca com peixes. É um bicho muito interessante, de hábitos limpos. Herbívoro. Fomos até lá exclusivamente para vê-lo.

Eu não esperava que me recebesse nem que me desse atenção. Mas o peguei num final de tarde especial. Estava de bom humor e disposto a jogar conversa fora. Quando eu lhe disse que era jornalista (poderia ter dito professor) ele se fechou.

Depois, ainda meio arredio, criticou amplamente a mídia pelo que chamou de excessos cometidos contra a classe política nordestina. Deixei-o falar por medo de parecer corporativista ou comprometido.

O peixe-boi mostrou-se muito bem informado sobre a política brasileira. Deu-nos uma aula sobre os grandes políticos alagoanos de todos os tempos, começando por Deodoro da Fonseca e chegando até Collor e Renan Calheiros. Disse ter visto carros de turistas com adesivos tais como 'Desculpa, Collor' e 'Collor é fichinha'.

Em outras palavras, o peixe-boi jurou que Collor e Renan Calheiros foram injustiçados. Tentei argumentar com ele, mostrar que no governo Collor aconteceram realmente coisas inaceitáveis. Fui ainda mais duro em relação aos episódios recentes envolvendo Renan Calheiros. De nada adiantou.

Segundo ele, Collor foi o grande responsável pelo salto econômico que o Brasil deu ao abrir o país às importações. Sobre Renan Calheiros, ele foi categórico: 'Intriga de mulher magoada não pode ser levada em consideração em política. Sei do que estou falando. Filho de peixe, peixinho é, pode escrever...'.

Achei o argumento, especialmente a última parte, irrefutável, vindo de quem vinha, embora tenha ficado surpreso com o machismo do peixe-boi e não captado a lógica do seu raciocínio sinuoso.

'Sei de muita coisa', explicou o peixe-boi, 'pois muita gente importante vem aqui só para me ver. A Gisele Bündchen esteve aqui. O Sebastião Salgado também. Mas quem mais me esclareceu sobre o papel de Collor foi o ex-ministro Ricupero.

Conversamos aqui mesmo, nesta mesma margem onde estamos agora batendo papo. Ele me garantiu que Collor foi vítima da grande habilidade do PT para desqualificar os adversários. Se Lula fosse de outro partido, o PT já o teria derrubado.

Todos são fichinhas perto da roubalheira petista'. Disse-lhe que ele estava sendo bairrista, trazendo água para a sua lagoa, puxando brasa para o seu assado. Acho que ele não gostou desta última imagem um tanto perigosa. Ameaçou até submergir. Acalmei-o.

O peixe-boi me lançou um desafio: 'Fale com quem quiser nestas Alagoas e verá que a maioria concorda comigo. A prova disso é que Collor se elegeu senador facilmente'. Perguntei a razão de tanta inconformidade com o atual presidente da República, afinal de contas um homem do Nordeste, um vizinho, um pernambucano.

O peixe-boi, antes de responder, contemplou a água cristalina do rio com orgulho. Depois, respirou profundamente e disse: 'É um paulista'. Despedi-me dele respeitosamente. Embora não concordasse com a maioria das suas idéias, um tanto reducionistas, tinha de conceder-lhe atenuantes.

Peço que façam o mesmo. Em primeiro lugar, não é todo dia que se pode conhecer a opinião de um eleitor aquático. Em segundo lugar, em Alagoas até o peixe-boi é collorido.

juremir@correiodopovo.com.br

Aproveite a segunda-feira, excelente semana

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