terça-feira, 19 de fevereiro de 2008



19 de fevereiro de 2008
N° 15515 - Luís Augusto Fischer


Biblioteca, que não há

Duas semanas atrás falamos aqui do triste destino da biblioteca de Paulo Hecker Filho, que faleceu nem faz tanto tempo assim e já tem seu precioso testemunho de leitor espalhado por aí, para nunca mais reunir-se.

Já ocorreu com outros antes dele, vai continuar acontecendo por tempos, a julgar pelo que se vê.

Houve uma repercussão interessante, ao menos. Muitos bons leitores me escreveram, em solidariedade, alguns lembrando de casos similares do passado, outros lamentando não haver políticas estáveis e reconhecidas para acolhimento de espólios intelectuais como o do falecido poeta.

Houve quem lembrasse, com justiça, projeto que a PUC tem mantido já por algum tempo (não sei se com a mesma estrutura forjada a duras penas por duas das maiores responsáveis pelos começos de tudo, Maria da Glória Bordini e Regina Zilberman, ambas defenestradas daquela universidade).

Pelo que sei, o projeto ganhou um nome geral, metafórico, "Delfos", talvez com ph em lugar do f, para acentuar o sentido: lugar que abriga manuscritos e bibliotecas é mesmo um oráculo, aonde os mortais se dirigem para saber o rumo a tomar.

Entre amigos, lembrei de uma antiga questão, envolvendo o lindo prédio da Biblioteca Pública do Estado. Não sei se o prezado leitor sabe, mas por décadas a direção da Biblioteca equivalia a uma secretaria da Cultura.

Pessoalmente, sei do esforço do pessoal que lá trabalha, mas não posso deixar de lamentar o destino daquele prédio e talvez daquela instituição.

Da última vez que lá estive, para pesquisar a vida do Antônio Coruja, o cronista, fui atropelado por uma visão medonha: eram dezenas de escolares em fila, no xerox, com revistas em baixo do braço, para copiar imagens que seriam coladas em trabalhos escolares.

Salvo engano, eram coisas como Casa & Jardim, Veja, por aí. Talvez velhas revistas, doadas por gente bem intencionada? E o que é que fazem elas na principal biblioteca pública do Estado?

O certo é que aqueles jovens não deveriam estar ali fazendo aquilo, que é coisa para ser feita na biblioteca do colégio, da escola, do bairro.

Sim, eu sei que não há biblioteca no bairro, e a do colégio é ruim ao limite do inconcebível (e ninguém parece se incomodar muito com isso, em governo algum, da direita à esquerda).

Mas aquele prédio deveria ser, como certa vez sugeriu se não me engano Voltaire Schilling, um templo, uma biblioteca para acolher acervos, coleções particulares, para pesquisadores e para público com particular interesse nisso tudo.

No Estado que faz a maior feira do livro a céu aberto da América, promove as jornadas de Passo Fundo e o belo projeto das Fronteiras do Pensamento, não há algo de profundamente errado em matéria de política pública de acesso à leitura e à memória impressa?

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