sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008



15 de fevereiro de 2008
N° 15511 - David coimbra


Virei fumante

Decidi que vou começar a fumar. Nunca fumei, até agora, nem nunca tive vontade. Para ser sincero, ainda não tenho vontade. Mas vou começar. Por causa do ministro esse que pretende acabar com os fumódromos e a caterva de autoritários que o apóia.

Alegam que o fumante, mesmo confinado ao fumódromo, mesmo sem prejudicar quaisquer não-fumantes, prejudica a si próprio, sendo isso motivo suficiente para reprimi-lo com o tacão da lei.

Mas alguém aí me diga: e o ovo frito? Durante anos, quiçá décadas, diziam que o ovo frito fazia mal à saúde, e quem o dizia talvez fossem os mesmos entendidos favoráveis à repressão proposta pelo ministro. Por que não proibiram o ovo frito em restaurantes e nos xis-egg?

E o açúcar? Não causa cáries e obesidade, não ajudou a dizimar índios por todo o continente? Proíbam o açúcar! Queimem quindins e Chica-Bons como se fossem feiticeiras na Baixa Idade Média! E o Big Brother? Comprovadamente, assistir ao Big Brother emburrece.

Censurem-no! Mais: multem quem passar da segunda arrebentação, pois lá o pessoal se afoga; prendam os motoqueiros, que andar de moto é perigoso; metam as mulheres em burcas a fim de evitar desvios sexuais dos homens!

É uma época de fúria legiferante, esta nossa. Uma época em que se convive com a noção obtusa de que a letra da lei basta para corrigir os males da sociedade. Falar ao celular durante a aula é errado?

Os deputados votam uma lei proibindo o celular em horário letivo. Um pai batizar a filha de Shana é de gosto duvidoso? Um juiz proíbe as Shanas em todo o Estado. Crimes são cometidos sob influência do álcool? O secretário de Segurança quer proibir a bebida em bares e restaurantes.

Proibir, proibir, eles querem proibir. Compreensível: educar dá muito trabalho.

O que mais me impedirão de fazer, esses que arrogam ter autoridade sobre a minha saúde física e mental? Esses que só querem o meu bem.

Pois digo: mais mal causa o precedente aberto pela proibição do que a fumaça inalada. Por isso, resolvi fumar. Como um protesto em nome da liberdade. Hoje mesmo estarei sorrindo com um Minister sem filtro entre os dentes, sentindo a fumaça negra preencher calidamente os meus pulmões até então virgens de tabaco, nicotina e quejandos. Tudo contra eles. Cuidado com eles!

Tenho medo dessa gente, desses legisladores fogosos, desses amantes da proibição. É assim que eles começam. Mas o pior é a forma como costumam terminar.

Viajei de Salamanca a Madri, certa feita, duas horas e meia de ônibus. Era um daqueles ônibus com janelões que não abrem, não é para ventilar, é só para olhar. Estava lotado, e todos, mas todos! os passageiros fumavam. Eu tossia, eu arfava, eu sufocava. Nunca uma viagem demorou tanto.

Ao chegar, completamente defumado, sentindo o cheiro nauseabundo de cigarro nas minhas roupas, no meu cabelo, na minha pele, no meu pâncreas, comentei com um amigo espanhol que na civilização do Brasil era proibido fumar dentro de ônibus. Ele arregalou os olhos, surpreso, e perguntou com escândalo:

- Mas e os direitos dos fumantes?!!

Ri do absurdo, mas hoje penso: imagina se um tipo desses vira ministro no Brasil...

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