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sábado, 16 de fevereiro de 2008
16 de fevereiro de 2008
N° 15512 - Paulo Sant'ana
A inveja
Esses dias eu falei bem do ciúme aqui. Quero acrescentar que o vi só por um ângulo: há outros ângulos do ciúme profundamente lastimáveis e alguns deles destrutivos.
Não é o caso da inveja, que é quase toda ela nociva e devoradora. A não ser uma figura de retórica: a inveja boa. Mas a inveja boa, aquela que se tem de uma pessoa que se admira e se deseja que ela continue a ter sucesso ou viver feliz, mas só que se queria isso também para a gente, não deveria assim ser chamada. Porque não há inveja boa. Melhor seria denominá-la de espelhamento.
Diz-se que os invejosos sofrem menos dor com seu próprio fracasso do que com o sucesso dos outros. Eu queria fazer uma corrigenda: para um invejoso, o sucesso do seu semelhante é desde já e intrinsecamente o próprio fracasso.
Outra corrigenda: o invejoso já é um fracassado, ele já larga fracassado na vida. Porque não há nada pior sucedido que o sujeito ficar desejando o insucesso dos outros.
Tanto porque um dia alguém que seja objeto da inveja terá sucesso, nem que seja eventual, quanto porque quem nutre inveja gasta todo seu tempo neste mister, vindo a fracassar por tornar-se assim omisso naquilo que objetivamente lhe interessa, que é a busca do seu próprio sucesso.
O melhor que se faz é guardar reserva ou até mesmo sigilo, tanto quanto possível, sobre a nossa vida. Porque, se vamos bem e os outros tomam disso conhecimento, é certo que os verdadeiros e raros amigos ficarão contentes, mas em contraposição os inúmeros desafetos, inimigos ou secadores em geral vão enfurecer-se.
E se vamos mal e disso tomam conhecimento todos, os verdadeiros e escassos portadores de afeto por nós sofrerão, enquanto que daremos alegria ao numeroso público dos nossos desafetos, inimigos ou simplesmente secadores, que entrarão em euforia, farra invejosa.
Como na primeira hipótese, quando tudo está dando certo para nós, não vale a pena deixar doentes os invejosos - e na segunda hipótese, quando vamos mal, acabamos por preocupar ou fazer sofrer os nossos amigos, o melhor é a gente ficar na moita sobre o que nos acontece de bom ou de mau.
Só que a vida moderna é comunitária e não nos permite, na maioria das vezes, esconder o que nos sucede. E aí prevalece e viceja intensamente a inveja.
Eu conheço um invejoso que invejava tão intensamente o seu rival que acabou este último morrendo. No enterro do invejado, onde foi para certificar-se de sua vitória definitiva, o invejoso chorava copiosamente, diante do caixão.
A mulher do invejoso, vendo-o derramar aquelas lágrimas, segredou-lhe baixinho durante a cerimônia fúnebre: "Mas não era a pessoa a quem mais odiavas e invejavas, como é que choras agora a morte dela? Este pranto é sincero ou falso?"
E o invejoso falou à mulher: "Choro autenticamente: não viste o padre dizer agora na encomendação do cadáver que a partir de hoje ele viverá em paz e tem entrada garantida no céu?"
(Crônica publicada em 26/05/1998)
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