terça-feira, 26 de fevereiro de 2008



26 de fevereiro de 2008
N° 15522 - Moacyr Scliar


O Oscar, a vida

A cerimônia do Oscar obedece a um rígido ritual: o desfile de vestidos oscilando entre o audaz e o mau gosto, a sucessão de rostos conhecidos (e sempre sorridentes), o apresentador (este ano o apenas razoável Jon Stewart) que deve intercalar algumas piadas, em geral fracas, na sua fala.

Os agraciados com o troféu rotineiramente, e monotonamente, agradecem a gurus, a amigos, à família.

E os filmes jamais são revolucionários, ainda que freqüentemente captem, e com maestria, o estado de espírito americano no momento. Não por acaso violência (Onde os Fracos não Têm Vez) e cobiça (Sangue Negro) estiveram em alta neste ano.

Aliás, estes dois filmes também mostram uma tendência da indústria cinematográfica: buscar inspiração em clássicos da literatura.

No primeiro caso trata-se do veterano romancista Cormac McCarthy, best-seller nos Estados Unidos, um excelente escritor cujo tema principal, segundo suas próprias palavras, é a dialética entre a vida e a morte e que, por causa disso, não gosta de autores menos violentos como Proust.

Já Sangue Negro foi adaptado de um romance de Upton Sinclair, numa época o grande contestador na literatura norte-americana. Claro, adaptar não é só uma característica dos americanos: Tropa de Elite também saiu de um livro.

Adaptação é uma verdadeira loteria: Jorge Amado, que teve muitas obras transpostas para a tela e para a telinha, disse-me uma vez que, quando entregava um livro para adaptação, esquecia que era o autor.

Tudo pode acontecer: um livro bom dar um filme bom, um livro bom dar um filme ruim, um livro ruim dar um filme bom e, claro, um livro ruim dar um filme ruim. Mas não há dúvida de que os dois filmes mencionados são ótimas adaptações.

Há muitas coisas que os americanos sabem fazer bem, e o cinema está entre elas. É só comparar um bom filme americano com um bom filme europeu. Podemos gostar de ambos, mas temos de reconhecer que o filme europeu é mais lento (e não raro mais chato).

Num filme americano, se o personagem está indo a uma casa, a câmera mostra-o chegando à porta; no filme europeu, ele percorrerá lentamente a rua, algo que deve ter alguma obscura mensagem metafísica, mas que acaba sendo um teste para a nossa paciência.

Oscar é "more of the same", mais da mesma coisa, mas a verdade é que o cinema continua falando para o século 21, como falou para o século 20 inteiro. A certa altura foram mostradas rápidas cenas de filmes que, desde os anos 20, ganharam o troféu.

Boa parte de nossa vida e de nossas emoções estava ali, porque o cinema é o espelho mágico de nossa época. Muita gente gostaria que a vida fosse um filme, e um filme com final feliz. Nem precisaria ganhar o Oscar.

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