quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008


CARLOS HEITOR CONY

O diabo e a política

RIO DE JANEIRO - Naquela aldeia, todos roubavam de todos, matava-se, fornicava-se, jurava-se em falso, todos caluniavam todos. Horrorizado com os baixos costumes, o frade da aldeia resolveu dar o fora, pegou as sandálias, o bordão e se mandou.

Pouco adiante, já fora dos muros da aldeia, encontrou o Diabo encostado numa árvore, chapéu de palha cobrindo seus chifres. Tomava água de coco por um canudinho, na maior sombra e água fresca desde que se revoltara contra o Senhor, no início dos tempos.

O frade ficou admirado: "O que está fazendo aí, nessa boa vida? Eu sempre pensei que você estaria lá na aldeia, infernizando a vida dos outros. Tudo de ruim que anda por lá era obra sua, assim eu pensava até agora.

Vejo que estava enganado. Você não quer nada com o trabalho. Além de Diabo, você é um vagabundo!".

Sem pressa, acabando de tomar o seu coco pelo canudinho, o Diabo olhou para o frade com pena: "Para quê? Eu trabalho desde o início dos tempos para desgraçar os homens e confesso que ando cansado.

Mas não tinha outro jeito. Obrigação é obrigação, sempre procurei dar conta do recado. Mas agora, lá na aldeia, o pessoal resolveu se politizar.

É partido pra lá, partido pra cá, todos têm razão, denúncias, inquéritos, invocam a ética, a transparência, é um pega-pra-capar generalizado. Eu estava sobrando, não precisavam mais de mim para serem o que são, viverem no inferno em que vivem".

Jogou o coco fora e botou um charuto na boca. Não precisou de fósforo, bastou dar uma baforada e de suas entranhas saiu o fogo que acendeu o charuto:

"Quando entra a política, eu dou o fora, não precisam mais de mim". (Este texto foi publicado na Folha Online anos atrás. Reproduzo-o pela sua atualidade).

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