sábado, 23 de fevereiro de 2008



24 de fevereiro de 2008
N° 15520 - Paulo Sant'ana


A paixãozinha

Recebo um telefonema do popular, famoso e consagrado colunista do Diário Catarinense Cacau Menezes.

Nem se anunciou e já saiu dizendo: "Oh, estrela, como é que vais, estrela?".

E eu respondi: "Vou bem. E tu, asteróide?".

A senhora gorda se apresentou para mim na porta do Hotel Beach Village, em Florianópolis.

Disse-me que não entende a discriminação contra as gordas, que ela sofre na carne. Falou que embora seja uma pessoa rica, com dezenas de imóveis escriturados em seu nome, não consegue encontrar nenhum homem para casar, vive com seus cachorros e gatos em Canela, sente a falta de um homem para compartilhar o resto de sua vida.

Eu disse a ela que não será difícil arranjar esse marido, ainda mais com o grande patrimônio que possui. Ela me respondeu que evidentemente não quer um homem que se case com ela só por seu dinheiro, mas que a queira bem.

Eu a incentivei com a frase genial do grande Nelson Rodrigues: "O dinheiro compra tudo, até amor sincero".

Ela continuou defendendo a tese de que tem mais atrativos além de sua fortuna: "Olha direito para mim; eu não sou uma paixãozinha?".

Disse que era, sim, uma gracinha e que levava uma vantagem sobre milhares de outras gordas: pelo menos poderia casar-se já como gorda e não fazer como tantas que se casam magras, esbeltas e atraentes e ficam gordas depois do casamento, traindo assim seus maridos, que investiram num caniço e receberam como dividendos uma bolha inchada.

Fiquei com pena daquela mulher, ela confirma o ditado de que dinheiro não traz felicidade. Achei que mais infeliz que ela só uma gorda pobre.

Porque a gorda pobre há de ser discriminada duas vezes, porque é gorda e porque é pobre.

Ai dos discriminados, ai das vítimas da natureza.

O problema reside exatamente nisso: a natureza faz as mulheres e homens feios e bonitos, gordos e magros, baixos e altos, burros e inteligentes.

E depois desta obra imperfeita da natureza, as pessoas desfavorecidas passam a ser discriminadas e as favorecidas se tornam privilegiadas.

Além disso, depois dessa obra injusta da natureza, vem o próprio homem e a sociedade e dão acabamento a esse parto horrendo: transformam os homens em ricos e pobres, poderosos e súditos, senhores e escravos.

Como, então, chegar à justiça social e à equanimidade pessoal? Como? Se os dotes das pessoas são desiguais, como torná-las idênticas e com as mesmas chances?

Em suma, a natureza, o destino, a Providência, seja qual for o nome do desígnio que preside a vida, é padrasto com os excluídos, sejam os gordos, sejam os baixinhos, sejam os burros, sejam os pobres, sejam os sem talento.

E se tudo já começa errado com a natureza, fica muito difícil para a mão humana consertá-lo.

Pobre da rica senhora gorda de Canela. Todos desconhecem que ela é uma "paixãozinha".

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