quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008



14 de fevereiro de 2008
N° 15510 - Luis Fernando Verissimo


Tim-tim


Não se vêem mais patacas e dobrões, a não ser em filme de pirata. Moedas de encher algibeiras e baús e pesar no bolso. Moedas sonantes e ressonantes.

Uma vez fui investigar a origem da expressão "tim-tim por tim-tim" e não encontrei nenhuma raiz grega ou tupi-guarani. "Tim" era apenas a reprodução onomatopéica do barulho que fazia uma moeda batendo na outra.

O som de metal contra metal. Pagar alguém era colocar moedas na sua mão, e o ruído de um metal sobre o outro - tim, tim, tim, tim - era o registro de uma transação bem saldada, de algo trocado pelo seu valor em ouro ou prata, com todos os tins devidos. As moedas não representavam outra coisa, as moedas eram o dinheiro, soavam como dinheiro.

Depois veio o papel-moeda, que tecnicamente não é dinheiro, é uma vaga promessa de algum dia se transformar em ouro ou prata, e começamos nosso afastamento do tim-tim. Culminando com as vastas somas virtuais que hoje cruzam os céus de computador para computador, em silêncio.

Ganhamos o dinheiro asséptico, intocado por mãos humanas, mas perdemos a onomatopéia.

Cartões de crédito, por exemplo. Nada numa transação com cartão de crédito evoca um sonoro pagamento com patacões. O cartão de crédito substitui o papel-moeda, que por sua vez é uma representação da moeda mesmo, e assim é quase a sombra de uma sombra. E sombras não fazem barulho.

Ouve-se apenas o "suish" do cartão sendo passado na maquininha. Não surpreende que, na falta do tim-tim, as pessoas se esqueçam de que o cartão de crédito também não é dinheiro, é uma promessa de pagamento futuro, uma presunção de que haverá ouro para cobri-lo.

E se o pressuposto pagador não é nem quem usou o cartão, é a firma, o governo, o tesouro nacional ou qualquer outra entidade tão remota que parece etérea, compreendem-se os abusos. Faltou autocontrole diante da tentação, faltaram supervisão e regras claras, faltou inteligência. Mas, acima de tudo, faltou o tim-tim.

Há alguns dias, conheci a minha neta. Antigamente só se tinha este prazer depois da criança nascer. Não se sabia nem de que sexo seria. Hoje, com a ecografia, fica-se sabendo tudo.

Já vi o seu rosto, o movimento da sua boca - e juro que ela botou a língua! Talvez contrariada com aquela invasão da sua privacidade pré-natal. E mais não conto em respeito a meus ex-companheiros do Movimento dos Sem Neto. Não quero humilhar o Scliar.

Nenhum comentário: