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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
13 de fevereiro de 2008
N° 15509 - Paulo Sant'ana
Discurso do saque!
Da série índia, publicada aqui nesta coluna, republicada ontem na Revista ZH, a carta do cacique Seattle ao presidente norte-americano Franklin Pierce, em 1854, dou agora aos meus leitores o privilégio de um discurso do mesmo chefe índio, desta vez após ele ter entregado suas terras aos brancos, com seu povo passando a confinar-se numa reserva.
A gentileza da reprodução do discurso a mim passada se deve ao Fernando Rozano, da Unidade Setorial da Secretaria Municipal da Cultura porto-alegrense.
Deixem eu dizer que conheci a cidade de Seattle, no Estado de Washington, em 1976, quando lá jogou a Seleção Brasileira. Fica perto da fronteira com o Canadá e guarda ainda hoje vestígios da bela natureza daquelas paragens herdadas (arrancadas) pelos brancos dos peles-vermelhas.
O nome da cidade é uma homenagem ao grande e lúcido cacique Seattle, que era um índio da família lingüística salish e foi chefe da tribo dwamish, que habitava a costa noroeste do Pacífico. Ao assinar o tratado de Port Elliot, em 1855, pelo qual entregava suas terras aos brancos, Seattle pronunciou as seguintes e comoventes palavras:
"Hoje somos poucos. Meu povo se assemelha às árvores dispersas numa planície varrida pelos ventos... Houve um tempo em que cobríamos a terra como as ondas de um mar agitado sobre as conchas da praia.
Mas esse tempo há muito se foi, levando a grandeza das tribos, de que resta hoje apenas uma triste memória. Para nós, as cinzas dos nossos antepassados e o seu lugar de descanso são sagrados.
Vocês vagueiam longe das sepulturas de seus antepassados e aparentemente não se importam com isso. A religião de vocês foi escrita em tábuas de pedra pelo dedo de fogo de Deus para que não a esquecessem.
O Homem Vermelho jamais poderá compreender isso. Nossa religião são as tradições dos antepassados - os sonhos dos velhos, revelados nas horas solenes da noite pelo Grande Espírito, e as visões de nossos chefes. Ela está escrita no coração do povo.
Os mortos de vocês cessam de amar a terra em que nasceram assim que ultrapassam os portais do túmulo e viajam para além das estrelas. São logo esquecidos e não mais retornam.
Nossos mortos nunca esquecem o belo mundo que os trouxe à vida. Quando o último índio houver perecido e a memória de minha tribo se tornar um mito entre os brancos, estas praias estarão repletas com os nossos mortos invisíveis.
E quando os filhos dos filhos de vocês se acharem sozinhos no campo, no mercado, no trabalho ou no silêncio dos bosques, eles não estarão sozinhos...
À noite, quando as ruas das aldeias e das cidades estiverem silenciosas e todos pensarem que estão desertas, restarão apinhadas de espíritos de índios que um dia habitaram e ainda amam esta bela terra.
O Homem Branco nunca estará sozinho. Que ele seja justo e trate bem meu povo, porque os mortos não são desprovidos de poderes. Eu disse mortos? Não existe morte. Apenas mudanças de mundos."
Crônica publicada em 30/05/1994
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