sábado, 23 de fevereiro de 2008



23 de fevereiro de 2008
N° 15519 - CLÁUDIA LAITANO


O fim da novela

Da série "coisas que você só faz em fevereiro". Esta semana, mais especificamente na noite de terça-feira, gastei irrecuperáveis 55 minutos assistindo do começo ao fim a um capítulo da nova novela das sete.

Foi uma revelação, daquelas que apenas um fiel outrora devoto experimentaria ao perceber que seu antigo guru anda dizendo bobagem e matando cachorro a grito para pagar o aluguel.

Depois de 55 minutos de cenas apelativas, piadas sem graça, diálogos penosos, quando não incompreensíveis, cheguei à conclusão definitiva, embora provavelmente tardia, de que este nosso vibrante produto de exportação está mais ameaçado de extinção do que o pau-brasil.

É preciso ter gostado muito de novela, é preciso ter perdido incontáveis horas ao longo dos anos entregue ao prazer barato e preguiçoso de estirar-se diante de uma televisão, noite após a noite, acompanhando os avanços mínimos de uma história invariavelmente previsível para reconhecer que o gênero explodiu-se em pedacinhos como Dona Gorda em Saramandaia.

A novela brasileira, aquela mistura saborosa de romance, humor, tom local e conversa fiada que nenhum país do mundo conseguiu reproduzir, não existe mais. Isso que ainda passa na televisão todas as noites no horário nobre parece gringo tentando sambar: reconhecemos o esforço de cópia, mas não o frescor do produto original.

Todo mundo que já foi fã de novelas deve se perguntar de vez em quando se foram elas que ficaram mais idiotas ou nós que repentinamente nos tornamos mais inteligentes.

Por mais sedutora que seja a hipótese de considerarmos a evolução da nossa própria inteligência, o ocaso das novelas provavelmente tem mais a ver com uma crise de identidade do gênero do que com o nível de exigência dos espectadores.

Pressionadas pela concorrência ilimitada de outras opções de entretenimento, na televisão por assinatura, no computador e mesmo na própria televisão aberta, as novelas parecem ter perdido o ingrediente mágico que era a essência do seu sucesso: a capacidade de conquistar um público heterogêneo contando uma boa história de forma simples e eficiente.

As novelas perderam a ingenuidade - e com ela a sua linguagem própria. Ficaram frenéticas como o cinema, politicamente corretas como um telejornal, apelativas como letra de pagode.

Os atores ficaram mais jovens - e inexpressivos - em uma aposta equivocada para atrair mais público. E os autores, coitados, sem a alegre inconseqüência dos tempos de audiência garantida, mal conseguem disfarçar a falta de rumo que os atormenta.

A Janete Clair plenipotenciária dos anos 70 foi substituída pela racional "equipe de redatores", o que talvez explique a esquizofrenia da maioria das tramas, inclusive as assinadas por autores experientes - o que não é o caso da novela das sete, que está sendo escrita por uma novata (de quem eu teria pena, não fosse ela tão bem paga para encarar essa roubada).

O fato é que a única dose diária de ficção de milhões de brasileiros - gente que não lê, não vai ao cinema e obviamente não assina TV por assinatura - virou uma paçoca de velhas idéias artificialmente renovadas. Como uma Escrava Isaura de jeans justinho dançando funk no Morro do Alemão.

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