domingo, 24 de fevereiro de 2008


CLÓVIS ROSSI

Governos sitiados

BUENOS AIRES - Todas as manifestações públicas que se prezem em Buenos Aires terminam na Casa Rosada, contra ou a favor do governo, de protesto ou de alegria. Terminavam.

Há uns dois meses, o governo concluiu a construção de uma grade de quatro metros de altura, pouco mais ou menos, que circunda e isola todo o simbólico edifício de cujo balcão falavam ao público os presidentes -e também Evita Perón.

A grade vai da calçada da Casa Rosada, na calle Balcarce, até os fundos, não longe do rio da Prata.

Posso até entender que medidas de segurança obriguem a um certo grau de proteção da sede do governo, mais ainda em se tratando de um ponto tão clássico para protestos.

Mas é esquisito ver, em plena democracia, a Casa Rosada sitiada quando, na ditadura, o público chegava perto o suficiente para apedrejar os policiais que a protegiam quando o general Leopoldo Galtieri anunciou a rendição na Guerra das Malvinas, em 1982.

O cerco à Casa Rosada não é fenômeno isolado. Downing Street, a ruazinha em cujo número 10 mora o primeiro-ministro britânico, também ganhou um portão gigante de ferro muitos anos atrás, depois de um atentado do Exército Republicano Irlandês.

Em Santiago, até o governo de Salvador Allende, deposto em 1973 por um desses infames golpes militares, a alameda interna do Palácio de la Moneda era ponto de passagem da plaza de la Constitución à alameda Bernardo O'Higgins, principal via da capital chilena.

Qual é a graça da democracia se o tal de povo não pode passar na calçada da casa de governos eleitos por ele?

Pelo menos na Plaza de Mayo, onde fica a Casa Rosada, a graça ficou apenas em um grande pano azul pendurado numa grade. Diz: "Por el triunfo de todas las luchas".
Que mais resta, então, a dizer?

crossi@uol.com.br

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